JEAN-MICHEL JARRE, PADRINHO DO NOVO MIDEM EM CANNES: “NÃO PODEMOS PERDER O TREM DA MODERNIDADE”

O MIDEM (Marché International du Disque et de l’édition Musicale – Mercado Internacional de Edição de Discos e Música) acontece todos os anos na cidade francesa de Cannes desde 1967. Graças a ele, durante 4 dias, os profissionais da música podem se informar sobre as últimas tendências e descobrir novos artistas. Deixado de lado em 2020 devido à pandemia do Covid, o MIDEM está renascendo das cinzas. Como uma Fênix, está mais poderoso, sólido e, acima de tudo, deve durar ao longo do tempo. Agora renomeado MIDEM+, o evento marca a renovação de um festival que tinha se esgotado. Foi graças a uma iniciativa da Câmara Municipal de Cannes, que comprou a marca, que este projeto se tornou possível.

O pioneiro da música eletrônica Jean-Michel Jarre, foi o escolhido para ser padrinho desta edição. Um nome óbvio para o prefeito de Cannes que já o conhecia. Jean-Michel aceitou imediatamente o desafio de fazer renascer o MIDEM:

“Um Midem 3.0 tem seu lugar e é ótimo que exista na França. Quando o prefeito de Cannes me pediu para ser padrinho, aceitei com alegria. Compartilhamos as mesmas convicções.”

Desta vez, Jarre apresentou seu último álbum, Oxymore, durante 3 concertos imersivos e com um som multicanal em 360°: dois no dia 19 de janeiro (o primeiro foi exclusivo para profissionais) e um terceiro no dia 20.

Para um evento onde é discutido o futuro da música, as novas formas de audição, diferentes formas de remunerar os artistas, o Metaverso (mundos virtuais) e a Realidade Virtual, pareceu ser óbvia a escolha do septuagenário tecladista francês. Mas não se engane: o papa do sintetizador, que abraçou o sucesso pela primeira vez com Oxygene em 1976, está sempre focado em uma próxima aventura musical: “Momentos de disrupção são sempre fantásticos para os artistas. Tive a oportunidade de vivenciar três deles: o primeiro foi no início da música eletrônica. Sem referência, estávamos em uma nova forma de conceber a música. Integramos sons e ruídos. Era completamente novo. E, finalmente, tornou-se a gramática de hoje, onde fazemos hip-hop, rock, techno ou pop. Então houve o surgimento do computador e da era digital. E a terceira disrupção é o nascimento de mundos imersivos”, garante o nativo de Lyon.

O público foi convidado a entrar num círculo sagrado. Para iniciar o rito, Jarre tocou um grande gongo, após pedir para as pessoas fecharem os olhos. De óculos escuros, alternadamente concentrado ou agitado como um cientista maluco diante de seus tubos de ensaio fumegantes, Jean-Michel convidou o público imerso a criar suas próprias imagens. Seus ritmos marciais e colagens sonoras cairiam muito bem em um filme de ficção científica ou até mesmo em um jogo de Mortal Kombat.

Uma voz rouca, do além-túmulo, fez lembrar que por detrás das proezas tecnológicas (reais e desestabilizadoras, mais penosas que um concerto clássico), existe um homenagem a Pierre Henry, um dos pais da música concreta que, junto com Pierre Schaeffer, são figuras inspiradoras para Jean-Michel. Uma forma de construir uma ponte entre as origens da música eletrônica e um futuro tão incerto quanto empolgante.

SETLIST:

1) LANCEMENT (inédita)
2) AGORA
3) OXYMORE
4) NEON LIPS
5) SONIC LAND
6) ANIMAL GENESIS
7) SYNTHY SISTERS
8) SEX IN THE MACHINE
9) ZEITGEIST
10) CRYSTAL GARDEN
11) BRUTALISM
12) EPICA

Reportagem do canal BFM:

Reportagem do canal France 3:

Trechos da entrevista coletiva e do show:

Em suas redes sociais, Jarre agradeceu:

“Obrigado Cannes…
A caminho de novas aventuras sonoras e o início de uma nova estrada sônica. Entrem no círculo.
Vejo vocês em breve!”

Galeria de fotos (clique nas imagens para ampliar):

Entrevista para a revista ‘Cannes Soleil’

Como você vê a aquisição desta prestigiada marca, MIDEM, pela Câmara Municipal de Cannes?

“Excelente. A primeira versão do MIDEM acabara por se esvaziar da sua substância e estava longe do conceito original. Ele teve que morrer para de alguma forma ressuscitar. Esta escolha da Câmara Municipal de Cannes é um exemplo do que as autoridades locais e os municípios devem fazer: apoderar-se da cultura e recolocá-la no centro da política no melhor sentido do termo. Se aceitei ser o padrinho deste novo MIDEM, é porque encontrei em David Lisnard, o Presidente da Câmara de Cannes, não só um homem de cultura a título pessoal, mas também alguém consciente da importância de divulgar para tornar o MIDEM possível. A França é tradicionalmente um país literário e, por extensão, cinematográfico, mas não musical. O nosso país deve ser ouvido também nesta área, face à GAFAM (acrônimo dos gigantes da Web: Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft. Mais informações aqui), problemas de distribuição, direitos de autor, Metaverso, etc. E para ser ouvida só pode vir de duas cidades mundialmente famosas: Paris e Cannes. Acrescento Lyon porque sou chauvinista (risos). É por isso que este evento é essencial e agradeço a David Lisnard por trazê-lo à vida.

Além desse papel de padrinho, você realizará concertos?

“Com certeza. Foi muito importante para mim envolver os habitantes de Cannes, então estarei ao vivo do Salon des Ambassadeurs nos dias 19 e 20 de janeiro, com retransmissão multicanal e, para o público presente, será uma experiência de imersão total na música em áudio 360°, que deixarei eles descobrirem.”

Que recordações você tem do antigo MIDEM?

“Memórias muito boas e ternas. Particularmente na década de 1970, foi a era do artesanato, da colaboração artística entre criadores, gravadoras e lojas de discos. Uma mistura no amor pela música. Com o Serge (Gainsbourg), quando íamos dormir de madrugada, passávamos de terno e gravata saindo das arquibancadas! E acima de tudo, foi lá que realizei o meu primeiro concerto ao ar livre a partir da cobertura do antigo Palácio, o que o torna um evento muito querido.”

Uma das características de sua carreira é estar sempre o mais próximo possível das inovações técnicas…

“Eu acho que é errado querer sempre separar a cultura do ‘tech’. Estão intimamente ligados: sem violino, sem Vivaldi, sem câmera, sem Tarantino, óbvio. Mas cuidado, não sou ‘geek’. Para mim o importante é a emoção que procuro despertar no público ou ouvinte. A tecnologia é um meio, não um fim.”

Janeiro de 2023 | Nº 223

Outra característica do seu passado é a sua incrível diversidade. Trabalhando com Pierre Schaeffer, o papa da música eletrônica contemporânea, e Patrick Juvet, criando um grande sucesso instrumental sob um pseudônimo, realizando shows para milhões de pessoas ou amigos próximos na Ópera Garnier, etc.

“Bem, coloque assim…(risos). O que me guia constantemente é a curiosidade e a curiosidade dá origem ao ecletismo. Sou muito anglo-saxão nesta área. Mas há uma coerência real nisso tudo: o trabalho do som. Com Christophe e Patrick Juvet, o que me interessava era a totalidade do projeto e a importação da ideia do álbum conceitual para a França, não necessariamente em torno de um tema, mas de um ambiente sonoro. E como não tínhamos letristas, eu também segui (risos). A combinação de música, arranjos e voz de Christophe é sustentada pela sonoridade das letras. ‘Les Mots Bleus’, ‘Les Paradis Perdus’, ‘Señorita’… tantas lembranças. Quanto a Patrick, foi um verdadeiro artista, que infelizmente foi devorado pelos seus demônios.”

Os Jogos Olímpicos de Paris: você pensa nisso?

“Sim e não. Me vi envolvido duas vezes: nos Jogos Olímpicos de Atlanta e Pequim, com o COI (Comitê Olímpico Internacional) mas é complicado. Acredito que os jogos devem ser deixados para os atletas, pois as cerimônias são rapidamente esquecidas. Por outro lado, trabalhar uma identidade musical para o esporte me interessa muito. Mas além das Olimpíadas, os grandes shows para centenas de milhares de pessoas, até milhões, acho que acabou. Por muitas razões: saúde, terrorismo, ecologia. Assim como o cinema, a música e a sua distribuição devem se reinventar.”

Suponha um jovem leitor que ainda não o conhece. Qual é a melhor entrada em seu universo tão amplo?

“Talvez curiosamente, eu diria que meu álbum mais recente, Oxymore, é uma homenagem a esses dois grandes artistas contemporâneos, Pierre Schaeffer e Pierre Henry, que fizeram música com todos os sons existentes. E, claro, Oxygene.”

Fontes: Var-matin|france3-regions.francetvinfo.fr|Cannes Soleil

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