COM “OXYMORE”, JEAN-MICHEL JARRE DÁ UMA NOVA VIDA AOS SONS DE PIERRE HENRY

Nos dias 21, 22 e 23 de janeiro, Jean-Michel Jarre apresentou sua nova criação na Maison de la radio et de la musique : “Oxymore”. Uma obra em 11 movimentos concebidos a partir das preciosas sonoridades de Pierre Henry, pioneiro da música eletrônica. Um desempenho inovador que acaba por ser acima de tudo brilhante.

24/01/2022|Por: Julien Baldacchin

Foi a poucos passos dos estúdios da France Inter que Jean-Michel Jarre apresentou seu novo projeto no Agora da Maison de la Radio et de la Musique, em Paris, por ocasião da primeira edição do Hyper Weekend Festival, organizado pela Radio France. O pioneiro da música eletrônica tocou sua nova obra seis vezes nos dias 21, 22 e 23 de janeiro (inicialmente seriam dois concertos no dia 21, dois no dia 22 e um no dia 23, mas um show extra foi agendado para o último dia). O compositor gosta de títulos curtos e contundentes: após Oxygene em 1976 e Equinoxe em 1978, que tiveram suas sequências em 2016 e 2018, surge “Oxymore”, uma peça concebida como um diálogo com o universo sonoro de Pierre Henry, que faleceu em 2017.

Três horas antes do primeiro concerto, no dia 21 de janeiro, Jarre realizou o Masterclass “Do GRM à Realidade Virtual, a história da inovação sonora”. Ative as legendas do YouTube para o português e assista ao Masterclass no vídeo abaixo:

UMA HOMENAGEM À MÚSICA CONCRETA

Para compor “Oxymore”, Jean-Michel Jarre aprofundou-se na herança sonora deixada por Pierre Henry, grande artista da música concreta: uma tendência que consiste em criar música não com notas, mas com sons. Conhecido do grande público por Messe pour le temps present (1967), um balé de Maurice Béjart de onde vem o famoso “Psyché Rock” composto com Michel Colombier, Pierre Henry escreveu Variations pour une porte et un soupir (1963) e projetou orquestras de alto-falantes. Com esses sons, Jean-Michel Jarre criou uma longa peça de pouco mais de 50 minutos, dividida em 11 movimentos como uma sinfonia. Ele explica:

E se fosse preciso uma palavra para descrever o que é “Oxymore”, o termo orgânico corresponde muito bem. Muitas vezes usado o tempo todo quando falamos de música, a palavra é perfeitamente adaptada aqui: imersos no som, o público e os ouvintes da rádio France Musique escutaram ao redor sons que se assemelham ao bater de asas, água corrente, e vozes modificadas e transformadas até se tornarem incompreensíveis. O que escutamos como porta batendo, tornou-se o som de um relógio cujo tic-tac que pareceu girar em torno de nossos ouvidos. Até mesmo os sintetizadores digitais que Jean-Michel Jarre manipula em superfícies táteis, têm sons redondos e abrangentes.

EXPLORAÇÃO DO SEU UNIVERSO MUSICAL

Essa sensação é possibilitada pelo trabalho que foi realizado por Jarre com o engenheiro da Maison de la Radio et de la Musique, Hervé Déjardin. No preâmbulo de cada uma das performances, Jarre relembrou até que ponto aquele lugar havia sido o local onde foi fundada a música eletrônica na Europa, tendo a ORTF (Office de Radiodiffusion-télévision Française – Escritório Francês de Radiodifusão e Televisão) albergado o GRM (Groupe de Recherches Musicales – Grupo de Pesquisas Musicais) de Pierre Schaeffer, no qual ele estudou. Juntos, Jean-Michel Jarre e Hervé Déjardin projetaram uma mixagem espacializada para alto-falantes localizados por todo o público. “É um método de captação de som adaptado à morfologia da cabeça humana, que permite uma restituição em três dimensões”, explica o engenheiro de som Christian Lahondès.

Ao explorar o legado de Pierre Henry, Jean-Michel Jarre não perde de vista seu próprio universo musical. É impossível não pensar, ouvindo os sons sampleados e as vozes transformadas, no álbum Zoolook, o disco mais surpreendente de todos que Jarre compôs, combinando vozes recolhidas em todo o mundo, e que foi coroado em 1985 com um Victoire de la Musique. O sétimo movimento de “Oxymore” abre com um grito abafado que, quase 40 anos depois, lembra o grito primordial de “Ethnicolor”. E quando a sala se transforma em um pêndulo gigante, é difícil não pensar no mecanismo que é ouvido em Chronologie lançado em 1993.

COLAGEM SURREAL

Amazônia, o último álbum de estúdio de Jean-Michel Jarre, depende fortemente de textura sonora e binaural, mas este é muito contemplativo, quase como uma coleção de paisagens sonoras (e por boas razões pois é a trilha sonora da exposição do fotógrafo Sebastião Salgado). Aqui, a viagem oferecida por “Oxymore” é muito mais frenética: as sequências se sucedem e não são iguais, como uma colagem surrealista.

Clique nas imagens para ampliar:

Jarre convidou o ex-le Tribe Michel Geiss para assistir a uma das apresentações do dia 23. Geiss compartilhou a experiência no dia seguinte em seu Facebook:

“Ontem, apesar de ter passado a noite anterior no avião, aceitei o convite de Jean-Michel Jarre para assistir ao seu concerto ‘Oxymore’ no Agora da Radio France.
Eu não tinha ideia do que ouviria, apenas que era uma homenagem a Pierre Henry. Não necessariamente convencido de antemão por este concerto, sinto-me ainda mais livre na minha opinião.
Confesso que fiquei particularmente seduzido por esta performance, por várias razões: a qualidade e riqueza dos sons, a sua gestão global no espaço e a originalidade da obra.
Uma das particularidades do concerto foi a sua transmissão multifonte, em imersão sonora, a 360 graus, com excelente qualidade de áudio. A espacialização foi muito bem gerida.
Quanto à música em si, foi uma homenagem a Pierre Henry, pai da música concreta, cujas composições feitas de misturas de sons e ruídos marcaram sua época.
Longe de todas as melodias, o concerto foi sobretudo um elo entre composições do tipo ‘objeto sonoro’ no campo da eletroacústica ou samples, e o electro de hoje.
Nenhuma abordagem de ‘público em geral’, mas um conjunto de peças cujo conteúdo abstrato conviveu com elementos eletro.
Achei essa mistura particularmente bem sucedida e rica em criatividade, uma espécie de ponte entre seus anos no GRM, Zoolook e suas abordagens mais recentes.
Também fiquei impressionado e admirado com a quantidade de trabalho preparatório que foi necessário para alcançar tal resultado.
Resumindo, uma surpresa muito boa de quem continua inovando com uma energia bem acima da média.”

Por enquanto, é possível ouvir “Oxymore” no site da France Musique em estéreo ou binaural (desde que você tenha fones de ouvido). A obra também foi apreciada em um universo virtual: durante as apresentações, foi transmitida para algumas pessoas em um mundo chamado “Oxyville”, que o músico apresentou como “um posto avançado de um metaverso em construção, acessível em VR”.

Provável setlist:

Movement 1 (6:14)
Movement 2 (4:29)
Movement 3 (2:08)
Movement 4 (3:52)
Movement 5 (5:43)
Movement 6 (3:21)
Movement 7 (5:44)
Movement 8 (3:51)
Movement 9 (3:23)
Movement 10 (4:39)
Movement 11 (5:25)

Após o show, Jarre entrou de surpresa no VRChat e conversou com alguns fãs presentes. Ele revelou que está discutindo com a gravadora Sony Music um lançamento oficial de “Oxymore” provavelmente ainda este ano. Antes disso, ele pretende fazer alguns eventos ao vivo provavelmente no Reino Unido, Alemanha, Europa, América e na Rússia. O plano é lançar um álbum com algumas colaborações e links para as faixas originais que foram tocadas no Hyper Weekend Festival.

PASSEIO TURÍSTICO POR “OXYVILLE”

No dia 28 de janeiro, será realizado um passeio turístico online gratuito pela “Oxyville” com o criador do projeto Pavel Pavlyukov e com o diretor Georgy Molodtsov. Como parte do passeio, os visitantes poderão ir ao longo da viagem para a série musical “Oxymore” de Jean-Michel Jarre com comentários de Pavel e Georgy. Ao mesmo tempo, uma cópia paralela do mundo sediará uma excursão em inglês para jornalistas estrangeiros e especialistas em VR. Para mais informações, visitem eventbrite.fr (o texto está em russo)

Fontes: France Inter|Michel Geiss|Eventbrite

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