
Ele tem a aparência de um jovem eterno e, além disso, de um “menino travesso” com esse jeito de olhar que, como diria minha avó, “está o dia todo tramando algo”. Jean-Michel Jarre (Lyon, França, 1948) esgotou os ingressos de seu concerto no festival Icónica em um piscar de olhos. Músico cult, intérprete e compositor, é filho do também músico Maurice Jarre, autor de trilhas sonoras icônicas de filmes como “Doutor Jivago”, “Lawrence da Arábia”, “Ghost” e “Sociedade dos Poetas Mortos”. Com esse background, dedicar-se à música foi relativamente simples, mas o peso do sobrenome era grande, então Jean-Michel trocou a estética paterna por uma própria, mais alinhada com sua geração: a música eletrônica e o eletro-rock.

Fez parte de vários grupos e começou a compor nos anos 1970 do século passado, até que, em 1976, alcançou projeção internacional com Oxygene, um álbum que, segundo ele, foi composto e gravado em sua cozinha transformada em estúdio, com instrumentos elétricos rudimentares. A obra, com seis faixas, vendeu milhões de cópias. Após “Oxygene”, veio Equinoxe, um álbum feito com sequenciadores e novos sintetizadores, inspirado na água como elemento.
Foi o primeiro músico ocidental a realizar shows na China em 1981, e, antecipando as performances do século XXI, em 1983 compôs Music for Supermarkets, do qual foi produzida apenas uma cópia no mundo, transmitida uma única vez pela Radio Luxembourg antes de ser destruída. Banksy, naquela época, ainda brincava com bolas.
Em 1993, realizou um concerto em Sevilha na passagem da turnê Europe in Concert pela Espanha, aproveitando o Lago da Cartuja, onde projetou um cenário de 150 metros e dez telas com seus paisagens sonoras, incorporando o flamenco como uma de suas propostas.
Desta vez é o “Festival Icónica” e a Plaza de España que recebem o show de Jean-Michel Jarre para um público bem diversificado, reunindo várias gerações: os que estiveram no show de 1993 e os que nasceram anos depois.
Li que o chamam de “o avô mais jovem da música eletrônica”. Você gosta dessa definição?
“Gosto de crianças. Acho que ser avô é algo positivo na vida. Isso me mantém jovem e fresco, e em contato com as novas gerações.”
Dizem que a música eletrônica é destinada a um público minoritário. Acredita que ajudou a romper esse mito?
“No começo, éramos vistos como um bando de jovens malucos fazendo música estranha com máquinas. Alguns anos depois, a música eletrônica se tornou a mais influente e popular do mundo. Hoje, penso que Oxygene ajudou a popularizar o gênero.”
Você faz música há cinquenta anos. Como consegue continuar e se manter sempre no topo?
“Você continua em atividade graças a dois fatores: primeiro, a saúde — seu corpo ainda permite. E segundo, a curiosidade. A curiosidade é o fator-chave para tudo na vida, para a música e para qualquer outra coisa, porque te faz explorar novos territórios e te faz sentir empolgado a cada nova descoberta, quando você espera o que o futuro trará. Por exemplo, hoje estou emocionado — e um pouco nervoso — porque esta noite toco em Sevilha e estou empolgado como se fosse o meu primeiro concerto. Espero que tudo ocorra perfeitamente e espero ter a melhor resposta possível do público. Lembro muito bem do meu primeiro show em Sevilha, e tenho certeza de que o de hoje será inesquecível para mim por toda a vida, porque o público de Sevilha é um dos melhores do mundo.”
Quando começou na música, sua família foi um peso ou esperava algo diferente de você?
“Na verdade, minha mãe sempre me apoiou. Ela sempre me incentivou a fazer o que quisesse na vida. E meu pai, claro, também. Como se sabe, ele era um grande compositor, mas meus pais se divorciaram quando eu tinha 5 anos, e ele foi para os Estados Unidos. Eu cresci só com minha mãe, com pouquíssimo contato com ele. Minha relação com meu pai nunca foi um peso, nem algo negativo — mas também não influenciou minha carreira.”
Como a indústria da música evoluiu desde seus primórdios nos anos 1960 até hoje?
“Quando comecei, a indústria musical era mais artesanal, tudo era feito passo a passo. Tudo mudou nos anos 1980 e 1990, quando a música virou um negócio controlado por advogados e banqueiros. Hoje, é curioso: os músicos trabalham de forma independente, cada um no seu estilo e nível. A Internet democratizou a música — agora você pode compor, produzir e distribuir do seu próprio quarto, com um computador. Mais uma vez, a indústria se transformou completamente — e também a forma como os músicos se relacionam com seu público.”
Acha que os músicos atuais dependem demais da tecnologia?
“Acho que a tecnologia é uma aliada da música. Graças à invenção do violino, Vivaldi pôde fazer sua música. E graças à eletricidade, temos Chuck Berry, Coldplay ou Pink Floyd. Com os componentes eletrônicos, fazemos a música que fazemos — eu e outros artistas eletrônicos. A tecnologia é neutra. Só se torna um problema quando usada de forma errada.”

Você se sente um privilegiado nesse trabalho?
“Me sinto muito privilegiado ao olhar para trás — tanto por ter feito a música que faço há tanto tempo quanto por ainda poder continuar, com tantos seguidores ao redor do mundo. É um grande privilégio. Também é um privilégio pensar que meu primeiro álbum, Oxygene, foi lançado por tantas gravadoras pelo mundo. Sem cantor, sem bateria, com uma faixa de 20 minutos que todos achavam que não daria certo. Mas eles estavam errados — e isso também me faz sentir privilegiado.”
Na música, quem define os estilos: o mercado, a moda, a tecnologia…?
“Tudo está nas mãos do público. Ninguém sabe por que algo faz sucesso em determinado momento. É um tipo de mistério que adoro. Porque não depende de um produtor ou de uma grande máquina. O mais importante para um artista é saber que sua carreira está nas mãos do público — os sucessos e os fracassos. Mas é impossível prever o que vai acontecer.”
Você também acredita que “velhos roqueiros nunca morrem”?
“Infelizmente, por definição, os velhos roqueiros são velhos — então já viveram muitas aventuras. Os que morreram jovens caíram nas drogas ou no álcool. Acho que existem dois tipos de artistas: os que são destruídos por um excesso de sensibilidade que os leva ao álcool ou às drogas, e os que fazem da música um refúgio, algo que os ajuda a seguir em frente apoiados na arte. Nenhuma dessas duas categorias tem a ver com talento ou qualidade musical. Entre esses dois extremos, existem os sobreviventes — como Keith Richards ou Eric Clapton — sobreviventes de tudo, por quem tenho profundo respeito.”
Você não teme que a Inteligência Artificial passe a compor músicas também?
“Não devemos cair no velho mito de que a tecnologia é inimiga. A tecnologia é uma ferramenta — só precisamos saber como usá-la. Não devemos ter medo da IA. Devemos aprender a usá-la e tirar o melhor proveito. É verdade que hoje ela está num estágio de “Velho Oeste” — sem regras. É fundamental que existam leis para controlar a IA e proteger os criadores. Mas, ao mesmo tempo, ela nos dá uma oportunidade fantástica de criar de outra forma e expandir a imaginação. Por exemplo, no concerto de Sevilha usamos muita IA, e acredito que mostramos que ela, ou outras tecnologias, podem ter sua poética — e que o algoritmo pode ser seu amigo, se você souber usá-lo.”
O que você pensa sobre a gratuidade da música ou da cultura?
“Acho que a cultura deve ser o mais democratizada possível. Mas precisamos parar de tratar a música como o ar que respiramos — porque há muita gente trabalhando por trás dela: técnicos, engenheiros, iluminadores, criadores… todos merecem uma vida digna. Se você gosta de um artista, deve pagar para ver seu show ou comprar seu disco. Pagamos pela comida — devemos pagar pela música também.”
A música reflete a época em que vivemos. Como é a música de hoje?
“A música de hoje reflete nosso tempo: é muito diversificada. Está mais conectada com o mundo do que nunca, graças à Internet — não importa se é hip hop, clássica ou techno. Há 20 anos, a música crescia em guetos separados: jazz, rock, pop… eram tribos distintas. Hoje, essas tribos se misturam — o que é um ótimo sinal.”
Qual é o seu próximo projeto?
“Meu próximo projeto está claro: tirar férias.”
Fonte: ABC


Jean-Michel Jarre (Lyon, 1948) dispensa apresentações — mas as merece. Pioneiro absoluto da música eletrônica e criador de espetáculos monumentais que fundem som, luz e arquitetura, o artista francês já vendeu mais de 85 milhões de discos e continua explorando novas formas de criar e compartilhar seu universo sonoro. Aos 76 anos, Jarre segue inovando com uma turnê europeia singular, que o está levando a palcos patrimoniais e espaços históricos de alto valor simbólico.
Neste verão europeu, sua “Special Summer Live Tour” passou por locais emblemáticos como o Palácio Real de Bruxelas, a Piazza San Marco em Veneza, a fortaleza romana de Pula, a arena de Budapeste e o espaço natural de Grefsenkollen, em Oslo. Em todos esses lugares, apresentou uma experiência audiovisual imersiva que reformula o conceito tradicional de concerto, combinando peças clássicas de seu repertório — como Oxygene, Equinoxe ou Magnetic Fields — com composições recentes, fruto de sua inquietação com a música espacial, o som binaural e a Inteligência Artificial.
No dia 8 de julho, Jean-Michel Jarre retorna a Sevilha, quase 32 anos após aquele concerto inesquecível de outubro de 1993 no Lago da Cartuja, onde reuniu mais de 30 mil pessoas. Desta vez, o cenário será a majestosa Plaza de España, dentro do festival “Icónica Santalucía Sevilla Fest”, para apresentar seu único show na Espanha este ano. Horas antes do espetáculo, conversamos com ele.
Em seus concertos, o senhor integra níveis de telas esculturais e vídeo ao vivo. Teremos em Sevilha uma estrutura visual pensada especificamente para se integrar ao monumento da Plaza de España?
“Sim. Depois da minha participação na Cerimônia de Encerramento dos Jogos Olímpicos, não tinha planos de realizar concertos em 2025. Mas me propuseram tocar na Plaza de España, em Pompeia e em Veneza — e eu simplesmente não consegui dizer não. Para mim, tocar na Plaza de España sempre foi um sonho. Na primeira vez que vim a Sevilha, mesmo já conhecendo um pouco a cidade, essa praça me pareceu um lugar extraordinário. É como um teatro natural ao ar livre, com uma harmonia e serenidade únicas. Há algo muito feng shui em sua essência. Então este concerto é um enorme prazer e uma grande emoção para mim, por isso criei algo pensado especialmente para este lugar. Inclusive trouxe luzes e lasers nunca antes apresentados, desenhados exclusivamente para esta noite. São três lasers muito especiais, controlados por áudio — ou seja, a música e as reações do público vão guiar o espetáculo. Assim, os sons de Sevilha viajarão para o espaço esta noite. Quem sabe Sevilha chegue a Marte antes de Elon Musk!” (risos)
O senhor espera, então, alguma conexão espiritual ou musical entre seu espetáculo e Sevilha, que defina este concerto?
“Com certeza. Este é o único concerto que vamos gravar — não para a televisão, mas para um filme. Por isso conto com que o público esteja totalmente envolvido. Este concerto é muito especial para mim, e pensei bastante no público espanhol. Um dos meus primeiros grandes sucessos aqui foi Magnetic Fields, então começarei e terminarei o show com um trecho desse álbum, completamente renovado. Também haverá temas conhecidos, como Oxygene, em novas versões, além de músicas recentes. A cenografia é surrealista, com uso de Inteligência Artificial, porque quero mostrar que a tecnologia pode ter uma dimensão poética e orgânica. Nós, latinos, temos uma aproximação sensual e orgânica com a arte. Para mim, a música eletrônica é como fazer uma paella: misturamos ingredientes — neste caso, sons e waveforms — para criar algo que encante o público.”
Às vezes surgem críticas sobre a realização de concertos em espaços públicos monumentais. A Plaza de España não é exceção. As normas de preservação do patrimônio influenciam muito no design de luz e no volume sonoro dos seus concertos? Não seria bom que esses espaços fossem também espaços de vanguarda para as novas gerações?
“Sério que há pessoas contra fazer concertos na Plaza de España? Como Embaixador da UNESCO há 30 anos — nomeado por Federico Mayor —, minha posição é claríssima: os criadores da Plaza de España foram revolucionários, visionários. Construíram algo inovador para sua época, e a melhor maneira de homenageá-los não é trancar sua obra, mas celebrá-la com as tecnologias atuais. Os arquitetos e as pessoas que construíram esse lugar eram técnicos, eram cientistas. Lugares como catedrais ou pirâmides devem ser vividos com o espírito inovador de cada era. Não esqueça que, quando essa praça foi construída, ela era puro vanguardismo. Na época, muitos se opuseram — como sempre acontece com o novo. Honrar esse legado é trazer aqui a vanguarda do século XXI. E é o que tentarei fazer esta noite.”
A turnê mistura introspecção, como Oxygene, com temas intensos como Zero Gravity. Como o senhor estrutura o fluxo emocional do concerto?
“A arte é um espelho de miragens: buscamos o momento perfeito — que nunca chega. Fellini me disse uma vez: ‘Sempre achei que fazia filmes diferentes, e no fim da minha vida percebi que sempre fiz o mesmo filme’. Isso me marcou. Artistas como os Beatles, Picasso, Salvador Dalí ou Pedro Almodóvar repetem sua essência sob diferentes formas. São variações do seu universo, do seu estilo. Esta noite, quero compartilhar emoções diversas — momentos alegres, sombrios, festivos — porque a vida não é linear. E espero que, acima de tudo, tenhamos uma noite que guardaremos para sempre no coração.”
O bloco europeu da turnê se encerra esta noite em Sevilha. A cidade parece ter um significado especial para o senhor.
“Sem dúvida. Ainda tenho um concerto em Stuttgart, mas entre nós… o verdadeiro centro emocional da turnê é aqui. E não digo isso por educação — sinto de verdade. A primeira vez que toquei em Sevilha foi algo que jamais esquecerei. Porque acho — e direi isso esta noite no palco — que Sevilha tem o público mais caloroso do mundo. Há uma energia especial. Diferente até de outras cidades da Espanha. Por isso me sinto profundamente honrado em tocar aqui. E levarei esse calor comigo por todo o concerto.”
Em concertos anteriores, o senhor às vezes incorporou músicos e estilos locais. Já experimentou com o flamenco?
“Quando estive em Sevilha da outra vez, convidei alguns músicos flamencos. Mas desta vez foi diferente. Este espetáculo foi concebido como uma espécie de ópera total. Tudo foi pensado especificamente para a Plaza de España: a arquitetura, a cenografia, os tempos. Era difícil introduzir novos elementos sem quebrar essa coerência. Mas tenho muita vontade de fazer isso no futuro.”
Na verdade, me parece que bulerías e soleás poderiam modular perfeitamente com ritmos de peças como Brutalism ou Epica.
“E você tem razão. Totalmente. Há uma ‘Epica’ ali, um dramatismo compartilhado. Então já está na minha cabeça. E faremos isso.”

Para encerrar: como o senhor definiria a música que faz e qual é seu significado, importância e interesse no momento atual?
“Nestes tempos difíceis para a Europa, gostaria de lembrar que a música eletrônica tem um DNA profundamente europeu. Não vem do jazz, nem do blues, nem do rock americano. Tampouco da Ásia. Ela nasceu na França, na Alemanha, na Espanha. Tem muito a ver com o surrealismo, com misturar coisas aparentemente sem conexão. O som de uma lavadora com percussão, por exemplo. É uma sensibilidade muito nossa. Típica da Europa e dos latinos. O que me comove na arte espanhola — e que também existe um pouco na França — é essa alegria que esconde uma melancolia subterrânea. Essa mistura do trágico com o cômico. Essa alegria que chora. Essa tristeza que ri. Por isso acredito que os europeus — e especialmente os artistas — devem continuar compartilhando essa visão tão singular do mundo. Não é a dos Estados Unidos, nem a da Ásia. É a nossa. E esta noite, espero transmitir um pedaço dessa visão aqui, com o público de Sevilha.”
Muito obrigado, senhor Jarre. Espero aproveitar muito o concerto desta noite.
“Obrigado a você. Mas espere — agora eu tenho uma pergunta pra lhe fazer.”
Claro. Pode perguntar.
“Você me entrevistou em francês — como me disse, para captar melhor os giros e nuances da minha língua materna. Para o concerto desta noite, preparei uma tradução em espanhol do que falo nas três ou quatro vezes em que me dirijo ao público. Não é uma tradução literal, mas mantém o sentido. Sei que na Espanha, como na França, há muita gente que não entende inglês — mas também não entende francês. Mesmo assim, como de qualquer forma vão entender o que estou dizendo. Em qual idioma você acha que eu deveria falar ao público?”
Em francês. Totalmente. É mais próximo para o senhor e para nós. Mesmo para o público mais jovem, seria positivo. Assim eles tomam consciência de que há outros idiomas além do inglês.
“Muito bom. Perfeito. Muito obrigado. Foi um prazer conversar com você.”
Fonte: Diario de Sevilla
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