JEAN-MICHEL JARRE: O PIONEIRO VISIONÁRIO DA MÚSICA ELETRÔNICA

Revolucionou a música no século passado. Muito antes da Realidade Virtual existir, foi um visionário, criando shows megalomaníacos cheios de efeitos visuais. Era isso que queria: criar espetáculos e mostrar que um homem com um sintetizador podia cativar milhões de pessoas. Ele não estava errado — e hoje, aos 76 anos, continua em plena atividade.

24/07/2025 | Por: Sara Porto

Quando começou, não tinha referências. Tinha uma mistura de entusiasmo e inocência para abrir caminhos e explorar territórios desconhecidos. “Sinto que fiz parte da primeira onda de abordagem à música de forma diferente, de uma maneira nova e empolgante, e me sinto muito privilegiado por ter estado, cronologicamente, no lugar certo, no início de algo novo e interessante”, diz ele em uma recente entrevista. Compositor, intérprete, produtor, visionário, inovador, Jean-Michel Jarre foi considerado, nos anos 1980, um “absoluto futurista”. Muitos diziam que sua música os fazia viajar até o espaço, já que era protagonista de shows de dimensões colossais — espetáculos ao ar livre nos quais usava lasers, pirotecnia, projeções visuais integradas à arquitetura local e ainda som surround — um sistema que cria uma experiência sonora imersiva, fazendo com que o som pareça vir de todas as direções, simulando a percepção sonora do mundo real — nos seus temas.

Para entender a dimensão de seus feitos — ou projetos —, em 1986, ele organizou um concerto com a NASA: tratava-se de uma apresentação cujo ponto alto seria um solo de saxofone feito pelo astronauta e músico Ronald McNair, diretamente do ônibus espacial Challenger. A música “Last Rendez-Vous” estava programada para ser a primeira do mundo a ser gravada no espaço, com os batimentos cardíacos de McNair sendo usados como amostras de som na mesma faixa. Sua performance seria transmitida ao vivo em um gigantesco telão montado na fachada de um edifício durante um concerto na cidade americana de Houston. Após o desastre da Challenger, em 28 de janeiro daquele ano, a música foi gravada com outro saxofonista, recebeu o nome de “Ron’s Piece” e tanto a faixa quanto o álbum foram dedicados aos astronautas mortos no acidente.

“Desde seu papel pioneiro na música eletrônica, seu uso da tecnologia e da produção de áudio multicanal, até suas recentes explorações com apresentações em Realidade Virtual e no Metaverso, a tecnologia está na linha de frente de tudo o que ele faz”, diz a biografia publicada em seu site oficial. “Hoje é o momento mais empolgante para criar, fazer música e compartilhá-la de diferentes formas e por diferentes meios”, afirma atualmente o artista.

Aos 76 anos, Jean-Michel Jarre lançou 22 álbuns de estúdio, vendeu mais de 85 milhões de discos em todo o mundo e quebrou quatro recordes no Guinness Book pelo público presente em seus concertos. Mas como chegou até aqui? Como conseguiu enxergar além, revolucionar a música e se tornar um dos pioneiros do estilo eletrônico?

Um olhar ‘fora da caixa’

Nascido em Lyon, em 1948, Jarre é filho do famoso compositor de trilhas sonoras para cinema, Maurice Jarre — que ao longo da carreira ganhou três Oscars, quatro Globos de Ouro, dois BAFTA, um Grammy, um ASCAP e tem uma estrela na Calçada da Fama em Hollywood — e de France Pejot, uma ex-integrante da Resistência Francesa. Seus pais se separaram quando ele tinha apenas cinco anos. “Eu tinha uma relação difícil com meu pai, mal o via”, revelou ao “The Guardian”, em 2022. No entanto, sua relação com a mãe era muito boa. “Ela era uma mulher extraordinária e corajosa — uma figura importante da Resistência Francesa. Lyon acaba de batizar uma rua com o nome dela. Visitei o local com meus filhos para comemorar. É estranho saber que as pessoas vão se conhecer e se amar numa rua com o nome da minha mãe”, contou ao jornal britânico.

Começou vendendo quadros — gostava de pintar — para ajudar Pejot com as finanças da casa, e durante a adolescência nunca foi “obcecado” por seguir carreira na música. Isso só veio depois.

Estudou composição musical clássica antes de se aventurar pelo rock e, por um breve período, liderar uma banda “protopunk” chamada The Dustbins. Vale lembrar que “protopunk” é um termo retrospectivo usado para descrever bandas e artistas que, embora não classificados como punk rock, foram precursores e influenciaram o desenvolvimento do gênero.

Concluiu sua formação ao integrar, no fim dos anos 1960, o Groupe de Recherches Musicales (GRM), dirigido por Pierre Schaeffer, onde aprofundou seu interesse na exploração da música eletrônica. Depois disso, atuou como compositor para discos de cantores franceses até meados dos anos 1970. Escreveu músicas para nomes como Françoise Hardy, Patrick Juvet e Christophe. Entendeu, no entanto, que seu caminho não seria o das explorações feitas ao lado de Schaeffer e, depois de um “esforço caseiro, longo e caro”, criou a obra que lhe daria projeção internacional. Gravado em um estúdio improvisado na cozinha de seu apartamento, Oxygene, lançado em 1976, conquistou o mundo. Mas o sucesso não foi imediato, pois foi rejeitado por todas as grandes gravadoras. “Eles reclamaram que não tinha bateria, não tinha cantor e que cada faixa durava dez minutos”, disse em várias entrevistas. Depois que foi lançado por uma gravadora independente francesa, vendeu 18 milhões de cópias e transformou seu autor em uma superestrela. “A composição de Oxygene é simples, mas longe de ser ingênua. Era diferente de toda a música eletrônica da época, talvez por isso tenha feito tanto sucesso. Havia algo ali em que as pessoas se reconheciam de forma sensorial, emocional, e não apenas intelectual”, disse ele em 2020.

Jarre é obcecado há muito tempo pela teatralidade da ópera e, quando decidiu se apresentar ao vivo, ele mesmo fez questão de criar algo grandioso. “Um homem atrás de um sintetizador durante duas horas não é a coisa mais sexy do mundo, né? Me inspirei nos filmes do Stanley Kubrick e quis criar espetáculos”, afirmou. E conseguiu. Foi o primeiro artista pop ocidental a se apresentar na China depois da Revolução. Quando tocou na recém-construída área de Docklands, em Londres, em 1988, usou mais fogos de artifício do que a média das festas de Réveillon. E quando se apresentou na Universidade de Moscou, em 1997, 3,5 milhões de pessoas assistiram ao show.

Uma vida de paixão e sacrifícios

Jean-Michel Jarre foi casado três vezes e teve três filhos. Segundo o artista, que ainda está na ativa e não aparenta a idade que tem, a música lhe proporcionou uma boa vida. Mas foram muitos os sacrifícios. “Diria a qualquer pessoa que esteja começando que, se a prioridade na vida for a felicidade, não se envolva com música. Não vou reclamar porque sei que fui muito privilegiado, mas música e espetáculos são um vício, uma droga pesada. Fazer música corrói sua vida ao ponto de não sobrar espaço para mais nada”, desabafou. “Para quem vê de fora, a vida de artista parece um sonho, mas há aspectos muito sombrios. Quem faz música, faz porque é a única coisa que sabe fazer”, acrescentou.

O artista tem explorado a Inteligência Artificial em seus shows, indo muito além do que era possível nos anos 1980. “Naquela época foi uma loucura. Não existia nada parecido. Nenhum artista tinha aqueles efeitos visuais nos seus espetáculos. Era realmente uma coisa de outro mundo. Hoje a gente vê isso em todo lugar”, comenta Luísa Porto, que acompanha sua trajetória musical.

O jornalista Nuno Galopim, da “Antena 1”, escreve que, durante a pandemia, Jarre abriu uma nova frente de trabalho ao criar shows virtuais nos quais o público pode participar como avatar. “Dessas experiências surgiu o Live in Notre-Dame VR – Welcome to the Other Side, um álbum ao vivo criado em uma Notre-Dame virtual na noite de Réveillon de 2020 para 2021, detalha. Além disso, criou o aplicativo EōN, que gera música diferente a cada vez que o usuário acessa o conteúdo.

Ou seja, usa um algoritmo para criar música a partir de um banco de batidas, melodias e acordes compostos especialmente por Jarre para o projeto, resultando em “uma experiência musical nunca repetitiva e completamente única para cada usuário”. O algoritmo foi desenvolvido por Alexis Zbik e Vianney Apreleff, da empresa francesa de tecnologia musical “BLEASS”.

Para o artista, o app é “uma criação musical e visual infinita”. “Pessoalmente, sinto que EōN é um dos meus projetos criativos mais empolgantes desde a minha estreia com Oxygene (…) É uma obra de arte orgânica sem fim, nunca repetitiva, que vai viver e crescer para sempre, de forma única, no espaço-tempo de cada um, na ponta do dedo”, deseja.

Fonte: sol.sapo.pt

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