Os fabricantes de automóveis precisam de músicos mais do que nunca a partir de agora. Afinal, quem melhor para construir o som que um carro elétrico deve emitir do lado de fora para alertar os pedestres? Quem deve criar sequências musicais de boas-vindas em sistemas multimídia tão comuns nos dias de hoje? Há um ano, a Renault começou a trabalhar com uma das maiores lendas do nosso tempo, e as composições de Jean-Michel Jarre estão estreando no novo “Scenic”. O jornalista Krzysztof Wojciechowicz, da revista automobilística polonesa Auto Świat conversou com o mestre francês na IAA Mobility 2023 em Munique.
Você ouve música no carro ou acha que isso o distrai?
“Normalmente entro no carro às seis da manhã saindo do meu estúdio de gravação, então não quero ouvir nada. Mas é claro que adoro ser surpreendido pelo que ouço, por isso procuro ouvir músicas que sejam bem diferentes do meu gênero. Estou bastante aberto ao heavy metal, música clássica e jazz. Basicamente qualquer coisa que não seja do meu estilo musical.”
Se a felicidade é uma canção triste, como diz o título de uma de suas músicas (Happiness is a Sad Song), que música te deixa feliz enquanto dirige?
“Digamos [algo do repertório da] Electric Light Orchestra.”
Ufa, porque apesar do título, “Happiness is a Sad Song” me deixa muito ansioso…
“Porque não é a música mais otimista. Curiosamente, fui muito influenciado por compositores poloneses, como Krzysztof Penderecki. ‘Happiness is a Sad Song’ é uma espécie de homenagem a esses músicos.”
Paul McCartney criou a melodia de “Hey Jude” enquanto dirigia. Algo assim já aconteceu com você também?
“Claro, várias vezes. Enquanto dirigia, me deparei por exemplo, com alguns trechos dos álbuns Oxygene e Equinoxe. Recentemente, enquanto dirigia, tive a ideia da última música do álbum Oxymore, Epica. Eu estava passando em frente a uma escola e as vozes agudas das crianças me deram a ideia para essa música.”
Uma das composições de Oxymore, “Crystal Garden”, inspirou o som com que o Renault Scenic alerta os pedestres. Qual foi o maior desafio na criação desse som?
“A combinação de som e tecnologia. A recepção da música depende do meio que a toca. A localização e o tamanho dos alto-falantes que emitem o som para os pedestres são cruciais. A minha tarefa foi criar também um espírito de equipe entre os designers para que as soluções relacionadas com a emissão sonora fossem levadas em consideração na fase mais precoce possível da construção do automóvel. Você pode usar os melhores alto-falantes do planeta, mas se colocá-los debaixo do tapete, eles não soarão bem. Temos um alto-falante para emitir um som fora do carro. Portanto, se você colocá-lo do lado direito, o som não será alto o suficiente para as pessoas à esquerda do carro. E se for muito alto, poderá violar os regras aplicáveis.”
Você mencionou que trabalhar nesses sons foi fascinante porque o motor elétrico é muito mais silencioso do que o motor a combustão, o que dá mais espaço para seus sons.
“Sim, esta é uma grande vantagem porque você começa como um pintor diante de uma tela em branco. Esta é uma situação muito melhor do que ter que lidar com os sons de um motor de combustão interna. Num carro elétrico, temos que criar o som do motor. É um desafio diferente.”
Você compôs músicas de vanguarda e megahits pop. Quando se trata da indústria automotiva, você prefere um design vanguardista ou um design clássico?
“O que é interessante sobre a vanguarda é que há 20 ou 30 anos ela se tornou um clássico. Gosto de todas as visões vanguardistas e futuristas de hoje. O que gosto na Renault é que o caráter da marca corresponde à minha posição atual, que é ao mesmo tempo vintage e futurista.”
Uma questão difícil. Em 1983, quando sua fama estava no auge, você decidiu dar um passo muito ousado e deliberadamente lançou o álbum Music for Supermarkets em uma única cópia…
“…o primeiro NFT “ (risos)…
…que deveria ser um protesto contra a industrialização da música. Mas agora a sua música será industrializada, pois estará pesente em milhões de carros Renault.
“Discordo. Há uma diferença fundamental entre os dois. A música pop não é tornar o trabalho algo elitista, mas sim poder compartilhar música e paixão com todos. Portanto, não sou contra ferramentas que me ajudem a chegar a todos. Na época de ‘Music for Supermarkets’ fui contrário ao fato da indústria nos fazer acreditar que o disco compacto substituiria o disco de vinil e que o CD era muito melhor que o vinil – o que não era verdade – e que a música era subitamente vendida em supermercados, como pasta de dente e lenços. Hoje, tentar melhorar as condições de audição e curtir música no carro é responsabilidade até do músico. Então não vejo isso como uma contradição, muito pelo contrário.”
Fonte: Auto Świat
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