INTRODUÇÃO
O ano de 1993 foi um marco na carreira de Jean-Michel Jarre. Entre 1979 e 1992, o francês virtuoso se concentrou em grandes espetáculos multimídia que paralisaram cidades inteiras, transformando arquitetura urbana e ambientes rurais em enormes paisagens sonoras experimentais. Milhões se deslocaram de países em todo o mundo para testemunharem com seus próprios olhos, a inimaginável metamorfose através das luzes e do som, que é a marca inconfundível de Jean-Michel Jarre.
Os projetos foram vivenciados por um público maravilhado, cativado pelas imagens que Jarre retratava em suas telas. Embora levassem meses para serem preparados, os shows normalmente duravam apenas uma noite, dando ao público e ao artista apenas uma chance de criar e experimentar a obra-prima. Place de la Concorde em 1979, Houston e Lyon em 1986, Londres em 1988 e Paris La Défense em 1990 foram locais privilegiados, onde a população local e turistas assistiram a esses espetáculos de tirar o fôlego. Porém, a cada show que acontecia, outros fracassavam diante dos muitos problemas que as equipes dessas grandes produções sempre encontravam. Foram os casos dos concertos do México em 1991, Tóquio em 1987 e Rio de Janeiro em 1992.
Para o ano de 1993, Jean-Michel Jarre decidiu trilhar um caminho um pouco diferente. A ideia da Europe in Concert era visitar muitas das cidades em que Jean-Michel não tinha sido capaz de encenar um dos seus espetáculos, permitindo que a sua música e seus efeitos visuais fossem testemunhadas por um público mais amplo. Europe in Concert, uma turnê que passou por muitas das principais cidades europeias, não foi um evento comum. Tudo foi pensado para permitir que cada fã participasse plenamente de cada concerto. Embora a logística e mesmo alguns dos espaços fossem os de um concerto tradicional, o espetáculo foi pensado especificamente para que todos pudessem compartilhar igualmente do esplendor da turnê. O Monte Saint Michel, na França, ocupou o palco central para o primeiro concerto em 28 de julho, com mais de 60.000 pessoas que percorrerem o caminho até o Monte. Mal o espetáculo terminou, a equipe de produção começou a fazer as malas e atravessou a Europa rumo a Lausanne, na Suíça, para o próximo concerto, seguido de shows na Hungria, Bélgica, Reino Unido, Alemanha e Espanha, terminando a turnê na cidade francesa de Tours, em 16 de outubro.
Nas suas redes sociais, Jarre pergunta: “28 de julho de 1993! Você estava lá?”
Europe in Concert certamente não foi uma turnê comum. Anunciada como “o show tecnológico mais avançado do mundo”, os concertos foram uma entrada triunfante para Jean-Michel Jarre nos limites dos estádios, modificando cada local até os seus limites. Fogos de artifício, lasers, canhões, projeções e imagens encheram cada local por onde a turnê passou, dominando as dimensões de cada ambiente em particular. Os concertos, porém, não se limitaram apenas a estádios esportivos, como o Estádio Olímpico de Barcelona e o Estádio de Wembley, em Londres. Cada show foi adaptado para sua locação específica, permitindo que a produção viajasse para locais mais aventureiros, como o Lago de la Cartuja em Sevilha e o requintado Palácio de Versalhes nos arredores de Paris. Europe in Concert foi assistida por muitas centenas de milhares de fãs eufóricos e Jarre ficou tão feliz com a reação que ele planejou uma segunda parte para o ano de 1994. Porém, a empresa de shows que tinha o próprio Jarre como sócio (CICS – Compagnie Internationale de Concerts Spectacles) faliu e isso gerou dívidas, agravadas ainda mais com o fim do contrato mundial de distribuição dos seus álbuns pela Polydor, resultando na desistência de continuar a turnê no ano seguinte.
DATAS E LOCAIS
28/07/1993
Monte Saint Michel (França)
01/08/1993
Estádio de la Pontaise – Lausana (Suíça)
19/08/1993
Népstadion – Budapeste (Hungria)
24/08/1993
Atomium – Bruxelas (Bélgica)
28/08/1993
Estádio de Wembley – Londres (Reino Unido)
01/09/1993
Estádio Maine Road – Manchester (Reino Unido)
05/09/1993
Estádio Vélodrome – Marselha (França)
11 & 12/09/1993
Waldbühne – Berlim (Alemanha)
21/09/1993
Estádio Sapiac – Montauban (França)
24/09/1993
Palácio de Versalhes – Paris (França)
29/09/1993
Monte do Gozo – Santiago de Compostela (Espanha)
02/10/1993
Lago de la Cartuja – Sevilha (Espanha)
06/10/1993
Estádio Olímpico – Barcelona (Espanha)
16/10/1993
Parque de Exposições – Tours (França)
DETALHES DA TURNÊ
1. A ESTRUTURA
Foram necessários 2 palcos para a realização de todos os shows da Europe in Concert sem contratempos. No lugar de usar arquiteturas já existentes, Jean-Michel Jarre criou seu próprio skyline. Uma cidade imaginária de 150 metros de comprimento, com 11 telas montadas no formato de edifícios entre 6 e 25 metros de altura e que foram erguidas ao redor e atrás do palco. A cidade modular foi instalada em estádios, parques, praças e outros locais ao ar livre pela Europa. Em quatro concertos, devido à falta de espaço, não foi possível montar as duas telas das laterias do palco, reduzindo a quantidade de telas para nove: Monte Saint Michel, Montauban, Berlim e Santiago de Compostela.
2. O SOM
Além dos aspectos inovadores da turnê, a principal preocupação de Jean-Michel Jarre foi oferecer ao público um ambiente que lhe permitisse estar completamente rodeado pela música. Lembrando os seus anos passados no GRM em Paris, o poder do som não foi apenas assegurado por alto-falantes e amplificadores de alta potência, mas também e especialmente, por uma boa distribuição geográfica das caixas de som.
3. OS EFEITOS VISUAIS
Imagens gigantes e móveis foram projetadas nas 11 telas a partir de 20 projetores automáticos. 5 lasers de alta potência foram responsáveis pelos efeitos gráficos dinâmicos, em sincronia direta com a música.
4. A ILUMNAÇÃO
Criado por Jean-Michel Jarre, o design de iluminação para Europe in Concert incorporou técnicas únicas desenvolvidas por Jarre ao longo dos anos e também inovações especificas imaginadas para a ocasião, com arquiteturas de luzes e coreografias de feixes no céu.
5. A LA TRIBU
Jean-Michel Jarre foi responsável pela concepção musical e visual. Uma equipe de 200 pessoas, entre músicos, artistas e técnicos, o acompanhou durante a turnê. No palco central, Jarre estava rodeado por 7 músicos principais e uma centena de coristas das comunidades locais. Muitos nunca haviam participado de uma apresentação deste porte antes e isso contribuiu para tornar os concertos numa ocasião única.
6. OS INSTRUMENTOS
Jean-Michel Jarre: Digisequencer, Roland JD800, Akai MPC60, Kurzweil K2000, Roland DJ70, Roland A880, Roland SDE3000A, JD990, Akai $3200 sampler, Quadraverb, Alesis submixers, EMS VCS3 analogue synth, MidiMini, Korg 01/RW, Super JD modules
Francis Rimbert: Roland JV80, SP700 JD800, D550 synths, sample player, Alesis Quadraverb, Korg A2, Alesis 1622 Mixer, Soundcraft Spirit Folio
Sylvain Durand: Akai MX1000, Kurzweil K2000, Roland JV80, D550, Korg 03/RW, Alesis Quadraverb, Korg A2 multieffects
Dominique Perrier: Roland JD800, Kurzweil K2000, Korg MIR, A2, Akai $3000 sampler, Roland D550 e Quadraverb
Laurent Faucheux: Simmons electronic kit, Roland Octapad II, Roland TD7 module, Akai S3000 sampler, Simmons $2000 Digital Drums, D-Drums module, Phonic submixer
Dominique Mahu: Akai $3000 sampler, Yamaha SPX90, Roland Octopad II
Guy Delacroix: Korg digital funer, TC2290 delays, Roland JD990, Super Jupiter, MKS80 programmer, Musicman Bass, Roland AX1 controller
Patrick Rondat: Peavey Pro-Fex
7. AS MÚSICAS
O tema da Europe in Concert foi Chronologie, o álbum lançado 2 meses antes do início da turnê. Tocadas ao vivo, as faixas tiveram uma duração mais longa e foram intercaladas com novas versões de “Oxygene”, “Magnetic Fields”, “Equinoxe” e “Rendez-Vous”, além da inédita “Digi Sequencer”, composta especialmente para a turnê.
O PALCO
O coração de qualquer concerto é sempre o palco. Mesmo considerando os grandes shows de Jean-Michel Jarre em Docklands, La Défense ou Houston, o palco é o ponto em que a multidão sempre se concentra. Portanto, uma enorme atenção é sempre dada ao projeto e construção do mesmo. No passado, Jarre usou um palco flutuante (em Londres), um palco piramidal (em La Défense) e um palco no formato de mini-cidade (em Houston). Foi este último que forneceu a inspiração para a Europe in Concert.
Os dois palcos foram encomendados no Reino Unido. A montagem demorava de três dias a quase um mês, dependendo do local do show e sempre contava com o apoio de empresas de andaimes locais, ajudando no árduo trabalho de construir as estruturas das 11 telas de projeções de imagens. Após a conclusão dos trabalhos, a equipe técnica chegava cedo no dia anterior ao show para instalar os equipamentos de som e luzes.
A maioria do kit técnico era guardada no próprio palco, incluindo os equipamentos de som e iluminação e racks de sintetizadores. No concerto do Monte Saint Michel, por exemplo, o palco foi elevado e uma das principais rotas de acesso da equipe ficava abaixo e livre de equipamentos, principalmente de uma infinidade de andaimes.
As passarelas localizadas à esquerda e à direita do palco foram usadas por Jean-Michel, Patrick Rondat (durante a introdução de “Rendez-Vous 4”), Guy Delacroix (durante “Chronologie 4”) e o coral (durante “Chronologie 1”) para se deslocarem do ponto focal do show. Foi a partir da passarela à esquerda que Jarre fez a sua entrada durante o “Countdown”. Durante os concertos, o coral e os músicos principais entravam e saíam por passadiços localizados atrás do palco que ficavam escondidos pelas telas de projeções. O sistema de PA principal era montado em quatro níveis atrás das duas telas maiores. Ao todo, haviam 42 caixas em cada lado do palco, que eram reforçadas, na maioria dos shows, por mais caixas nas duas torres de controle no meio de cada arena e em outros locais ao redor do público.
Cada um dos músicos tinha uma área no palco para seus instrumentos individuais, posicionados em degraus conhecidos como ‘estações’. Jean-Michel Jarre tinha uma estação onde ele esteve duas vezes em cada concerto para tocar “Oxygene 4” e “Digi Sequencer”. Ao lado dessa estação, da esquerda para a direita, estava Francis Rimbert, seguido por Sylvain Durand, Laurent Faucheux, Dominique Mahu, Dominique Perrier e Patrick Rondat. O teclado circular principal de Jean-Michel Jarre ficava posicionado no centro do palco com a Harpa Laser à esquerda. Essas estações ficavam mais evidentes quando eram alojadas sob suas capas protetoras. Como não havia teto no palco, essas capas eram necessárias para evitar a situação vivida em Docklands, onde vários sintetizadores foram danificados pela chuva. Essas capas foram usadas durante os shows em três ocasiões: em Berlim e Montauban como medida de precaução, pois as nuvens estavam bastante carregadas e em Tours onde a chuva caiu do início ao fim do show. Normalmente, o palco só ficava totalmente concluído algumas horas antes do início do espetáculo, quando o último parafuso era apertado pouco antes da abertura dos portões.
O COMPLICADO SHOW DE SEVILHA
As instalações para a Europe in Concert foram impressionantes. O show incorporou a maior quantidade de equipamentos já colocados em tais locais, com andaimes suficientes para cobrir o relógio Big Ben e a Coluna de Nelson. Foram esses fatos que tornaram a turnê um show difícil de montar e a equipe mereceu grande crédito, pois conseguiu chegar a tempo em todos os shows. Foram necessários 16 caminhões articulados para transportar o palco. O tempo de montagem da colossal cidade imaginária foi de no mínimo três dias para os shows mais próximos, aumentando para quase quatro semanas para os mais distantes. Considerando tais fatos é que percebemos que Jarre não tinha a intenção de ganhar dinheiro com esses shows, que foram maiores do que as turnês comparáveis de outros artistas. O que ele queria era levar seus espetáculos para os fãs que, por qualquer motivo, não puderam estar presentes nos concertos de Paris, Londres ou Lyon.
Sevilha foi um dos espetáculos mais complicados, com o palco construído no meio do Lago de la Cartuja. Devido às complexidades das instalações, a construção do palco começou quase quatro semanas antes da data marcada para o show. Embora o lago seja raso o suficiente para ficar de pé, mergulhadores foram convocados para construir a base do palco no fundo e a equipe local recrutada para auxiliar na montagem foi uma das maiores da turnê. Foram necessárias três semanas e meia para construir as bases do palco, das torres de controle e duas passarelas a mais: a primeira ligava o terreno até o fundo do palco e servia de acesso para a equipe e os músicos, além de transporte de equipamentos. E a segunda, construída na frente do palco, foi utilizada pelo Jarre para se aproximar do público, que ficou concentrado na margem do lago. Como resultado, quase o dobro da quantidade de andaimes foi necessária para construir toda a estrutura. Nenhuma empilhadeira foi permitida nas passarelas, então todo o equipamento teve que ser deslocado manualmente e, portanto, uma grande equipe local foi necessária para ajudar a levar todos os andaimes, equipamentos e outros aparatos da produção.
AS TORRES DE CONTROLE
As duas torres de controle, posicionadas de cada lado das arenas, abrigavam uma infinidade de tecnologias de som e imagens. Foram essas torres que deixaram o palco irreconhecível de um momento para o outro. Cada uma tinha seis níveis e continham equipamentos de laser, projeções, gravação de som e efeitos visuais. Quatro níveis foram usados para equipamentos de projeções, incorporando projetores estáticos e móveis. Os sistemas de laser estavam localizados em ambas as torres, permitindo que as imagens fossem animadas em ambos os lados do palco, bem como atrás do palco central. Nas bases de cada torre ficavam as áreas de controle de som e imagens. Na torre à direita, ficava a área da mesa de som. Foi a partir de lá que Michel Geiss, Renaud Letang e Paul Jarvis controlaram o som que foi ouvido pelo público. A base da torre da esquerda foi reservada para a área de controle de imagens onde estavam Paul Souverbie e Marie-Jeanne Gauthe, que passavam de lá instruções aos projecionistas. As torres também foram usadas para abrigar câmeras fotográficas e de vídeo, caixas de som e telões para dar ao público que estava mais distante, uma visão dos músicos que tocavam no palco. A única desvantagem de uma estrutura tão grande como a que foi usada na turnê é que ela precisava ser desmontada depois. À medida que o público ia embora após o término dos shows, o barulho dos andaimes podia ser ouvido enquanto a equipe não perdia tempo desmontando o palco para o próximo espetáculo.
A PASSAGEM DE SOM
Quem chegava mais cedo a um dos locais da Europe in Concert lembrava-se do som de algumas das músicas que foram tocadas reverberando dentro dos estádios e praças no período da tarde. Embora o conjunto musical para a turnê não fosse muito diferente entre um espetáculo e outro, a passagem de som sempre era necessária para cada show. Os ensaios não eram apenas para verificar os instrumentos, mas também para permitir que Jarre e seus músicos praticassem novas músicas e diferentes introduções e estruturas do setlist da turnê.
O show em Manchester foi um bom exemplo disso, pois Jean-Michel resolveu introduzir duas músicas novas na turnê: “Magnetic Fields 2” e a versão tradicional de “Equinoxe 4”, pois a que foi executada nos concertos de Bruxelas e Londres, foi uma versão remixada (a mesma que foi lançada no álbum Jarremix de 1995). Como resultado, a passagem de som se transformou em um longo ensaio, com as câmeras necessárias para verificar as posições no palco. Além disso, algum tempo foi gasto verificando e ensaiando com o realejo após o mesmo ser atingido por uma fagulha da cascata de “Band in the Rain”, durante o show da semana anterior no Estádio de Wembley, fazendo com que a música ficasse distorcida. Jarre resolveu acoplar um guarda-chuva no realejo para evitar que o problema acontecesse novamente.
Jean-Michel sempre esteve no centro de tal diligência durante toda a turnê, mergulhando em todos os aspectos do espetáculo para chegar o mais próximo possível da perfeição. Ele sempre era visto correndo por todo o local, garantindo que o som, assim como o palco, pudesse ser apreciado por todo o público. O responsável pela parte técnica dos instrumentos era (e ainda é) Patrick Pelamourgues, colega de longa data de Jean-Michel. Eles se conheceram em 1979 e desde então, Patrick trabalha com Jarre supervisionando o lado técnico de seus instrumentos. Pelamourgues foi um membro chave daquele ano durante as passagens de som, garantindo que todos os instrumentos estivessem funcionando corretamente e prontos para o show de cada noite. Os músicos muitas vezes adicionavam uma centelha de espontaneidade aos ensaios e ocasionalmente tocavam músicas de outros artistas conhecidos ou até mesmo alguns dos clássicos mais antigos de Jarre que não apareceram no setlist da turnê, como por exemplo “Souvenir of China” (que aliás, foi inicialmente considerada para inclusão em um bis, mas infelizmente essa ideia foi descartada).
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CONTINUA…
30 ANOS DA EUROPE IN CONCERT, A TRIUNFANTE TURNÊ DO ÁLBUM CHRONOLOGIE – SEGUNDA PARTE
Fonte: Conductor of the Masses Magazine Issue 12/13
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