CONTINUAÇÃO DA PRIMEIRA PARTE
O SHOW
Os concertos de Jean-Michel Jarre pela Europa em 1993 foram muito mais do que apenas mais uma apresentação ao vivo. O revolucionário compositor francês nunca poupou esforços para transformar as suas apresentações em locais tão diversos, como o Monte Saint Michel na França, ou o Atomium em Bruxelas, num espetáculo único onde a magia da sua música e o esplendor das suas imagens se unem num único propósito: cativar seu público.
Os shows mergulharam o público da Europa em um mundo desconhecido, onde o tema do tempo era forte e distinto, mas as performances não foram limitadas a apenas isso. Mais de 700.000 pessoas testemunharam a Europe in Concert em primeira mão, com muitas pessoas assistindo de longe devido a muitos dos locais serem abertos. Uma vez que o público estava dentro das arenas, os sons de “Waiting for Cousteau” construíram uma atmosfera de expectativa e suspense, que terminou quando as coberturas das telas de projeções com o brasão da Swatch (patrocinadora da turnê) foram liberadas e flutuaram até o chão. O tempo de espera estava se esgotando lentamente. As luzes se apagaram e um batimento cardíaco palpitante sinalizou o acendimento das telas dando início ao “Countdown”.
Um personagem de aparência misteriosa, vestido com um chapéu estilo gangster francês e um sobretudo grosso apareceu na passarela localizada do lado esquerdo do palco. Enquanto o “Countdown” prosseguia, ele contemplava as telas com as mãos no bolso do sobretudo, olhando-as de cima a baixo antes de prosseguir em direção ao palco central. O personagem, agora ia se transformando em uma pessoa diferente, desacelerando e aparentemente sem pressa, tirou o chapéu e o casaco e revelou sua verdadeira identidade: era, de fato, a estrela do show. Reconhecido instantaneamente, vestido com seu tradicional sobretudo de cor azul, camisa e calças pretas e óculos escuros, Jean-Michel Jarre se dirigiu ao seu teclado luminoso semicircular e o concerto propriamente dito estava começando, com as batidas de coração desaparecendo e o “Countdown” chegando ao número zero.
As enormes telas dominaram toda a platéia. Camaleônicas, trocavam suas cores e os primeiros tons da maravilhosa “Chronologie 1” explodiram sobre o público resultando em aplausos de fãs entusiasmados. Esta não foi apenas a primeira faixa de Chronologie, mas também uma escolha natural para uma música de abertura. Foi perfeita para o propósito: grandiosa, construindo camada após camada da música, criando uma atmosfera muito emocional. Uma verdadeira abertura. Foi no Monte Saint Michel que se criou um dos efeitos mais espetaculares. O céu estava nublado e ainda não tinha anoitecido por completo, criando um cenário deslumbrante para a famosa Abadia, que estava inundada de luzes e som. Os holofotes convergiram para um único ponto acima da multidão encantada, criando um efeito impressionante nas nuvens. Com as notas incrivelmente altas e profundas que aparentavam ressoar da Abadia, esta introdução mágica teve que ser experimentada para ser acreditada. À medida que a música avançava, um coral de 100 pessoas, com cada integrante segurando uma tocha, lentamente se dirigia ao palco. Como uma procissão, os coristas abriram caminho entre os músicos e na frente do teclado central antes de criar um cenário de luz bruxuleante. Enquanto o coral iluminava o palco, imagens e figuras de todas as cores iluminavam as telas e a arquitetura ao redor, dando o tom para o restante do show. Todos já sabiam que estavam vivenciando algo muito especial.
Após as primeiras palavras de Jean-Michel Jarre, a clássica “Equinoxe 4” foi a segunda música na maioria dos shows. Imagens espaciais, estrelas e paisagens lunares encheram as telas enquanto Jarre fazia uma nova entrada na passarela do lado direito, desta vez carregando seu teclado portátil. Investigações lunares do homem com imagens de planetas e buracos negros, acompanharam toda a execução da música, levando o público para o espaço sideral, enquanto o guitarrista Patrick Rondat deu uma dica do que o público poderia esperar dele nos próximos anos com um solo inspirado no hard rock.
Seguiu-se um silêncio, com o público em uma expectativa do que poderia acontecer após essa pausa inesperada do show. As telas lentamente se transformaram em um azul sutil e a anfitriã atemporal da Europe in Concert apareceu de repente: a imagem da cabeça de uma mulher criada a partir de lasers. Projetada nas duas maiores telas, ela se virou lentamente para o público. A sensação de estar sendo observada era surpreendente. Com os lábios se movendo, uma voz feminina calma e clara dirigiu-se ao público. Ela testemunhou a história da Terra desde o início dos tempos: a Terra em seu estado líquido, uma atmosfera sem oxigênio e os primeiros peixes. Sugerindo que nós, a raça humana, somos meros convidados neste maravilhoso planeta, ela colocou repetindo duas vezes a questão: “Quantos anos você tem?”. Era, de fato, a introdução de “Chronologie 2”, mas a mente ainda estava tentando responder à questão que acabara de ser colocada, quando as telas se transformaram em um verdadeiro Jurassic Park. Enormes trepadeiras serpenteavam pelas telas, folhas sopravam ao vento e um brontossauro de pescoço comprido ergueu a cabeça para trás e se lançou em direção ao público. A música adaptou-se admiravelmente com essas imagens pré-históricas, evocando a enormidade dos dinossauros, com o ritmo de um vendaval. Um Tiranossauro Rex criado a partir de lasers foi projetado pisando forte em direção ao público, proporcionando por alguns minutos, um encontro do filme do ano com o concerto do ano. Certamente havia uma moral por trás dessa música. Com mensagens como ‘Salvem os sapos’ ou ‘Salvem os elefantes’, Jarre tentava dizer ao público que embora não tenha sido possível salvar os dinossauros, é importante não deixar o homem ser a causa da extinção de outros animais.
Jean-Michel estava claramente se divertindo durante os shows, junto com todos os outros músicos que pareciam mais envolvidos do que em concertos anteriores. Jarre batia palmas, corria por toda a extensão do palco e em alguns momentos, enquanto tocava, batia furiosamente seus dedos nas teclas de seu teclado circular principal. Ele olhava constantemente para o público examinando a reação das pessoas que estavam mais próximas do palco. E essas mesmas pessoas estavam ocupadas olhando para o palco, ou para as telas, ou para o céu, observando o show pirotécnico, tentando desesperadamente capturar o máximo possível do que estava acontecendo à sua frente.
De repente, surgem gritos entusiasmados do público, quando raios verdes disparados da frente do palco alcançaram o céu escuro. Era o anúncio de que a famosa Harpa Laser de Jean-Michel Jarre seria executada na próxima música, que foi “Chronologie 3”. Tendo como pano de fundo cortinas vermelhas de veludo, Jarre tocava os feixes com um efeito impressionante. Quando as cortinas se abriram, a voz requintada de Julie Lecrenais substituiu lindamente as notas sintetizadas do álbum. Uma diversidade de rostos preenchia as telas, ora um humano, ora um tigre, uma coruja ou um macaco, até que Patrick Rondat finalizou com outra performance solo. A música lenta parecia deliberar sobre a evolução do mundo animal para o que temos agora, com um efeito simples, mas eficaz, de transformar faces assustadoras. Uma das belezas do show foi a maneira como Jean-Michel contava suas histórias por meio de suas imagens e músicas, e como essas histórias poderiam ser interpretada de formas diferentes por cada fã presente ao evento. Apresentando o show com as palavras “o espetáculo é sobre o tempo. Tempos passados e tempos presentes” que, embora apontavam uma direção, não dava qualquer significado específico às imagens. Cabia a cada fã definir o significado que quisesse.
Na sequência de “Chronologie 3”, era hora de mudar o ritmo. A anfitriã apareceu mais uma vez nas telas. Desta vez dizendo que 250.000 crianças nasciam por dia, um coletivo de 50.000 batimentos cardíacos são produzidos por segundo e que a velocidade de rotação da Terra é de 1600km/h. Foi com esses fatos que ela colocou a questão: “Onde você vai?”, indicando a enormidade de todo o universo em relação ao nosso próprio planeta. Deixando a pergunta para o público responder, a voz foi eclipsada pelos sons de tic-tac de relógios, alarmes e máquinas. Sem dúvidas, esta foi o maior sucesso da turnê: “Chronologie 4”. As telas se encheram com a visão de relógios furiosamente sobrecarregados, todos gloriosamente animados na introdução da música favorita dos fãs naquele ano. Nunca antes tínhamos visto Jean-Michel Jarre tão cheio de energia, usando todo o palco e animando um público já exuberante. Este foi o momento mais animado do show e certamente surpreendeu muito os fãs com a energia da música, da multidão e do próprio Jarre. As imagens a laser superaram tudo o que Jean-Michel Jarre e sua equipe de projecionistas haviam criado anteriormente, com seres humanos caminhando, correndo, pulando e dando cambalhotas em todas as telas.
Jean-Michel Jarre descreveu “Chronologie 5” como uma faixa rave, que foi a primeira de Chronologie a ser composta. Para a sua apresentação ao vivo, a música começou com uma visualização simples e eficaz do percussionista Dominique Mahu como uma figura solitária na passarela do lado direito do palco, girando uma grande cruz que, por sua vez, dava a impressão de iniciar lentamente uma série de engrenagens e rodas em movimento. O tema era industrialismo. Quando os sons de relógios entraram na música, Dominique se afastou da cruz, deixando-a girando sozinha pela mecânica que agora assumira o trabalho. Ao tema rítmico, apareceram nas telas imagens da tecnologia e de seus efeitos: tanto as boas como as más correias transportadoras, braços robóticos e arranha-céus. Essa parecia ser a visão de Jarre sobre o papel da humanidade na história do tempo. Com uma sequência furiosa “5, 4, 3, UP, 2, 1, ON” que piscava na tela ao fundo, Jarre tocava em um teclado portátil vermelho, ficando entre enormes explosões de fogos de artifício que irromperam abaixo do palco.
Musicalmente, uma das estrelas do show foi o Digisequencer. Criado por Michel Geiss, o sucessor do MatriSequencer 250 foi usado para a execução de uma nova música composta especialmente para a turnê. Apelidada de “Sequencer Song”, a música teve início com uma lista de artigos do século XX, apresentada mais uma vez pela anfitriã-laser, com imagens rolando suavemente por todas as telas: telefone, chaleira, sutiã, chocolate, rosas, preservativos, etc. Com um dueto de sintetizadores e sequenciamentos da guitarra de Patrick Rondat, improvisando em torno de uma estrutura básica, Jarre parecia um professor maluco, alternando entre o Digisequencer e seus sintetizadores analógicos, colocando-os em sequências enquanto uma fumaça espessa subia do topo das telas e fogos de artifício explodiam ao fundo do palco. Na Espanha, Jarre acrescentou um tema cultural, incorporando alguns dos famosos dançarinos de flamenco, resultando em uma orquestração autêntica. Com os sapateados distintos no palco, os dançarinos adicionaram grande estilo e movimento ao show em uma maravilhosa performance solo antes de se unirem com o resto dos músicos para o final da música.
Muitas vezes foi relatado que Jarre corria riscos com seus shows em um nível logístico. Para a Europe in Concert e “Chronologie 6”, com seu conteúdo artístico, ele se arriscou foi em passar sua mensagem. Com as linhas de baixo completamente adequadas às imagens, as telas mostravam os dizeres ‘Pássaros fazem isso’, ‘Abelhas fazem isso’, ‘Vamos fazer isso’, enquanto imagens provocativas do kama sutra e de freiras se acariciando (no final da turnê substituídas por dois policiais de rua americanos) se movimentavam pelas telas com espermatozoides feitos de laser, criando uma atmosfera muito dinâmica. O público adorou e quando Jarre entrou novamente pela passarela à esquerda do palco tocando um tradicional acordeão francês vermelho, afastou qualquer pensamento remanescente da multidão de que os ‘shows de Jean-Michel Jarre são apenas lasers, imagens e fogos de artifício’. O coral ficou posicionado na frente do palco, deixando toda a La Tribu escondida da visão do público, com exceção de Jarre e do regente Bruno Rossignol.
Incluída no setlist em Manchester, “Magnetic Fields 2” permitiu que Jarre se afastasse do álbum Chronologie e revisitasse mais uma vez, uma de suas mais populares composições ao vivo. Repetindo o que ocorreu três anos antes, Jarre foi novamente ofuscado pela enorme cobra Naja que hipnotizou dois milhões e meio de pessoas no La Défense. Engolindo a totalidade das telas, a serpente observava o público enquanto Jarre se apresentava com seu Lag Circulaire, com estátuas e esculturas antigas dominando o cenário.
Para encerrar o álbum Chronologie, os belos acordes introdutórios de “Chronologie 8” trouxeram enormes velas romanas de baixo do palco para a vida, com a projeção de um vitral ornamentado na tela central. A influência artística dos patrocinadores da Swatch ficou clara aqui, com desenhos coloridos, selvagens e malucos sendo projetados. Aranhas teciam teias, ratos se esgueiravam pelas telas e homens e mulheres de meia-idade pulavam de alegria. Foi nessa música que Jarre apresentou cada integrante da La Tribu ao público, com a contribuição de Rondat para o show ganhando merecidamente um grande aplauso dos fãs.
A ideia de um Jarre unplugged foi sugerida em várias ocasiões. Ele resolveu adotar a sugestão e encantou o público ao levar para o palco um genuíno realejo francês que, segundo ele, ‘encontrou nas ruas de Paris’. Puxando as lapelas de sua jaqueta para se proteger de uma chuva fictícia enquanto os sons de trovão e de uma ventania ecoavam pelas arenas, Jarre começou a girar a manivela para reproduzir as simpáticas notas de “Band in the Rain”. No meio da música, uma cascata desceu majestosamente até o palco, fazendo deste um momento realmente bizarro do show, porém, sem deixar de ser magnífico. Tocar uma faixa lenta dentro de um show furioso foi um grande risco, mas funcionou perfeitamente. Muitos fãs citaram essa como uma de suas partes favoritas. Jean-Michel Jarre explicou anteriormente que adora retratar emoções paradoxais em seu trabalho: “Adoro superar sentimentos contraditórios, tristeza e nostalgia, por exemplo, junto com alegria e otimismo”.
Assim que terminou com as músicas de Chronologie, Jarre prometeu ao público alguns de seus clássicos mais antigos. Depois de “Band in the Rain”, veio uma versão animada de “Oxygene 4”, que transformou todo o palco em um delicioso mundo subaquático semelhante ao de Calypso 2 no La Défense em 1990. Bolhas, peixes rodopiantes, golfinhos, águas-vivas, cavalos-marinhos e pinguins passaram por todas as telas do palco. A famosa caveira desmanchando o planeta Terra desenhada pelo artista Michel Granger – que serviu para ilustrar a capa do álbum Oxygene – também foi projetada.
O concerto no Atomium em Bruxelas, no dia 24 de agosto, coincidiu com o 45º aniversário de Jean-Michel Jarre. Na presença de 72.000 fãs, o filho de Jean-Michel, David Jarre, fez uma aparição surpresa no palco após “Oxygene 4” para tocar “Happy Birthday” na guitarra, enquanto imagens de um bolo de aniversário eram exibidas nas telas. Mais tarde, Jarre comemorou em um ambiente mais íntimo, com um bolo de aniversário verdadeiro, junto com familiares e amigos.
A guitarra de Patrick Rondat entrou em ação de forma estridente, quando um holofote o iluminou na passarela do lado direito do palco. Esta foi, de fato, a introdução para “Rendez-Vous 4”, mais um exemplo de como Jean-Michel Jarre estava tentando fazer desta turnê uma experiência inesquecível tanto para fãs quanto para um público casual. A essa altura, todo o público em shows por toda a Europa, batia palmas ao som da música e o extraordinário show estava atingindo o seu auge. Como todos os bons artistas, Jarre ofereceu à multidão um ‘bon nuit’ pela primeira vez, cerca de uma hora e meia após a ‘decolagem’. É extraordinário perceber o tipo de emoção que Jarre pode provocar em uma platéia através de música puramente instrumental. A maioria dos artistas dependem de seus vocais para produzir tais reações do público, mas a maneira como Jarre consegue fazer o mesmo com sua música merece grande reconhecimento, muito mais do que ele recebe das críticas.
Claro, o show ainda não tinha terminado. Ao retornar, Jarre apresentou “Rendez-Vous 2” com as seguintes palavras: “Não muito longe daqui, há pessoas que fazem guerras e há crianças nesse meio violento. Gostaria de dedicar esta próxima música a todas as crianças vítimas da intolerância”. Foi a partir daqui que Jean-Michel Jarre passou a enfatizar o seu papel como embaixador da UNESCO, principalmente envolvido na representação de causas que a política não pode ou não quis abordar. A dedicação desta faixa às vítimas da fome e da intolerância fez desta uma das músicas mais importantes do show. As imagens que preenchiam as telas eram de inocentes crianças famintas e terrorismo irracional. Acompanhado pelo coral, Jarre deixou uma impressão duradoura em todo o público e que foi levada além dos estádios e arenas. O show poderia ter terminado neste ponto e, na maioria das vezes, algumas pessoas viraram as costas para o palco pensando que tudo estava acabado após alguns minutos de silêncio. Então, os tic-tacs voltaram e os relógios começaram a soar novamente para o bis final de “Chronologie 4”, com uma nova introdução, aumentando a expectativa do público. Mais brilhante, mais rápida, mais alta do que antes, e para terminar, com uma deslumbrante explosão de fogos de artifício, deixando a multidão em êxtase.
O ÚLTIMO SHOW EM TOURS
O concerto final da turnê europeia aconteceu em Tours, localizada a sudoeste de Paris, no dia 16 de outubro. No que diz respeito ao tempo, os piores receios concretizaram-se e o céu desabou algumas horas antes do show. Tocando o tradicional setlist da turnê, os músicos se apresentaram sob as capas transparentes, enquanto Jean-Michel estava ao ar livre e encorajando a multidão encharcada. Os fogos de artifício foram de longe os mais espetaculares vistos em toda a turnê e, combinados com a chuva e o frio, trouxeram de volta as lembranças das noites em Docklands. Enormes rajadas de luzes explodiram no céu noturno acima da cidade imaginária de Jarre. Tours também trouxe o melhor da multidão que se juntou ao show: extremamente entusiástica, conseguindo manter o ânimo apesar das condições contrárias. O promotor do show, Mel Bush, explicou: “Quando chove, o show é ainda melhor. Os feixes de laser batem contra a chuva que cai, o que cria um efeito fantástico. Além disso, o público se sente livre, perde suas inibições e aproveita mais o evento”. No final, Jarre fez uma promessa (que não se cumpriu) de que voltaria a Tours em 1994, ou pelo menos à região, para outro show. Explicou que a sua equipe era, em sua maioria, constituída por pessoas da região e que grande parte do material da turnê, cerca de 500 toneladas, ficaria armazenado nas cercanias da cidade.
CONCLUSÃO
O que pode ser dito sobre um show que conseguiu assumir a forma de uma turnê regular, mas que quebrou todos os limites já estabelecidos? Os shows foram diferentes de qualquer outra coisa realizada por qualquer outro artista. Eles conseguiram passar para o público a sensação de que acabaram de testemunhar uma ‘experiência única na vida’, familiarizados com os shows que Jarre havia encenado anteriormente. O público ficou imerso num mundo de fantasia que Jarre criou com sua mistura única de música e luzes. O idioma de uma ‘experiência completa’ é usado em demasia, mas Jarre manteve o público encantado durante toda a apresentação, mudando para sempre o estilo do show apresentado. Em um minuto, o público se deparava com uma dançarina fazendo piruetas e, no minuto seguinte, dinossauros estavam preenchendo as telas.
Os concertos foram muito mais do que um espetáculo de efeitos. Foram arte total no verdadeiro sentido da palavra. Mostra de significado, bem como de visão. Jarre experimentou o conceito há muitos anos, mas em 1993 parecia que ele finalmente o havia dominado, apresentando-o em toda a Europa para que todos pudessem ver. Mesmo que os shows fossem em escala menor do que os mega-concertos pelos quais Jarre se tornou famoso, eles transformaram os locais deixando-os irreconhecíveis e criando uma visão falsa do que vemos todos os dias. As apresentações permitiram que Jarre experimentasse o calor que o público reserva para sua música e arte que às vezes se perdia nos mega-shows de Paris e Londres, por exemplo. Por sua vez, o público pôde vivenciar um tipo de espetáculo nunca antes apresentado em um estádio tradicional. Em cada noite, por toda a Europa, as luzes se apagavam e quando a música parava pela última vez, foi possível perceber que o local nunca mais seria o mesmo depois de ser transformado pela visão de Jean-Michel Jarre.
ENTREVISTA
Logo após o show no Palácio de Versalhes, em Paris, Jean-Michel Jarre refletia sobre a turnê que o levou a nove cidades europeias até então. Com mais cinco shows pela frente, o homem que estava estabelecendo novos padrões, estava claramente feliz com a reação à turnê.
contagiou o público da Europa
“Fiquei impressionado com a acolhida que recebi do público. Foi realmente emocionante, não só para mim, mas para as 160 pessoas da minha equipe. Foi a maior turnê na estrada este ano, maior que a do U2 e a do Michael Jackson e é um show francês! Ficamos famosos em lugares lendários como o Estádio de Wembley. Quando você sabe o que aconteceu em Wembley, encher o estádio com um público entusiasmado é inesquecível. A ideia original era passar por países europeus onde eu nunca tinha tocado. Queria encontrar um formato que fosse entre o meu estilo habitual em cidades como Houston, Paris e Londres, e um concerto tradicional, de forma a aproximar-me do público. Não é exatamente uma turnê, é mais uma série de eventos pontuais. Cada show é mais ou menos feito sob medida para o local. Levei dois anos para criá-lo, mas o verdadeiro trabalho foi feito nos dois meses antes do evento. Tenho muita admiração por pessoas que conseguem tocar exatamente as mesmas músicas por um ano e meio, cinco dias por semana. Isso eu não conseguiria, é absolutamente impossível. Gosto muito da surpresa de subir no palco e não me repetir. Para mim, toda a preparação faz parte do espetáculo.”
Realizado para um público de 100.000 pessoas, com muitos mais que assistiram à distância, o espetáculo de Versalhes em si foi um dos mais complicados de se organizar, principalmente devido ao local escolhido.
“É muito mais complicado do que um show em uma arena fechada. Uma massa de pessoas de diferentes lugares está envolvida, como autoridades locais, segurança, comissários de locais históricos, cada um com missões diferentes. Enormes problemas logísticos são criados. Foi um verdadeiro desafio poder fazer um show como esse em frente ao castelo porque é considerado na França como o Palácio de Buckingham. Enfim, a organização deu certo. A prefeitura queria que eu fizesse um show no Versalhes desde 1989, não choveu e o público foi muito bom. Eu estava nervoso porque fazer um show em seu país de origem é sempre algo diferente e o público de Paris provavelmente é o mais difícil.”
Este foi o terceiro concerto que Jean-Michel realizou em Paris, mas ele tinha razões muito claras para escolher voltar à capital francesa mais uma vez.
“Não foi apenas por causa do castelo – que não precisava da minha presença para parecer fantástico. Meu objetivo não é transformá-lo em um ‘son et lumiére’. O que há de tão fantástico na Place d’Armes é o teatro natural que é perfeito para receber milhares de pessoas em um ambiente de convívio. É por isso que esse show é totalmente diferente dos shows que eu fiz no La Défense e na Place de la Concorde.”
É claro que Versalhes é um lugar muito incomum, mas a Europe in Concert também visitou alguns locais que são mais tradicionalmente considerados locais de concertos. O Estádio de Wembley, em Londres, tem uma história de shows diferente de qualquer outro local, tendo sediado artistas como Rolling Stones, Queen, U2 e, claro, o inesquecível show do Live Aid. Poder adicionar seu nome à lista foi obviamente especial.
“Sim, era um sonho de criança. Depois do Monte Saint Michel, partimos para todas as diferentes cidades europeias. A primeira turnê de um francês organizada como as grandes turnês americanas. Em Bruxelas, na frente do Atomium, 72.000 pessoas estavam lá. Ninguém havia feito isso antes. No entanto, não é motivo para se gabar, apenas prova que existe um ‘know-how’ francês. Uma das minhas melhores lembranças foi em Manchester. O público estava muito tenso e tive a impressão de estar no sul da Espanha. Manchester é uma cidade muito dura com problemas de desemprego. É como a Alemanha Oriental antes da queda do muro. Boa parte disso é por causa dos skinheads e a violência está nas ruas. Na entrada do estádio, tinha ingressos verdadeiros e falsos, camisetas verdadeiras e falsas. Alguns estavam vendendo drogas. Também tive medo de não ter público pois o Manchester United estava jogando naquele dia.”
Nos concertos em Versalhes e no Monte Saint Michel, como os locais estavam mais abertos do que o normal, muitas pessoas puderam aproveitar o show de graça, mas Jean-Michel olhou para o lado positivo quando considerou isso.
“Não é tão ruim quanto antes, porque antes eu fazia shows gratuitos, então você não tem público pagante. Então, agora estou melhorando. Isso é mais um tipo de experiência, como quando você está fazendo um filme ou um pintura. Você não sabe o resultado. Porém, esse tipo de produção não é feita para ganhar dinheiro. Isso é óbvio.”
Ao contrário de muitas turnês, os shows apresentados na Europe in Concert eram altamente visuais. de acordo com o estilo de atuação pelo qual Jean-Michel Jarre se tornou conhecido.
“Quando estou no estúdio de gravação, não estou pensando na performance. Faço música instrumental, é muito mais alusiva do que músicas cujas letras carregam a mensagem. Minha abordagem visual é oposta à usada nos filmes, as imagens vêm da música, e acrescentam ao seu significado. É o caso de usar tecnologias modernas e antigas de sistemas gráficos eletrônicos a projetores antiquados, é totalmente diferente dos grandes concertos anglo-saxões. Eu amo pintura abstrata. Eu costumava fazer algumas e com a música é semelhante. Uma é separada da visão tradicional da literatura, uso e representação da palavra. O álbum Chronologie, que forma a parte principal do show, é um reflexo do tempo. Eu não quero mostrar através de imagens a história do tempo, mas sim fazer jogos poéticos e humorísticos em torno do tema, sem nada explícito.”
Jean-Michel Jarre envolveu-se em todas as vertentes da Europe in Concert, desde o conteúdo artístico, visual e musical até à organização e negociações do dia-a-dia. Ele garantiu que, na medida do possível, cada show fosse perfeito e que todos os fãs presentes pudessem aproveitar cada momento do show. Nas horas que antecederam cada apresentação, ele era visto andando pelo local onde o público se sentava ou ficava em pé, verificando se a visão deles seria a mais perfeita possível. No entanto, esse envolvimento intenso também é claramente desgastante.
“Tenho viajado um pouco como um caracol com o palco montado nas costas, que coloco em cada local que visito. Estou completamente exausto e perdi quase 10 quilos. Na verdade, estou mais do que exausto … Quando não se dorme durante quatro ou cinco meses, o corpo habitua-se, mas há tantos problemas todos os dias… A Europe in Concert é mais um petroleiro do que uma nave espacial.
Fonte: Conductor of the Masses Magazine Issue 12/13
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