Um pioneiro essencial da música eletrônica e uma lenda viva da música (85 milhões de discos vendidos): Jean-Michel Jarre responde à cinco perguntas sobre pesquisa científica.
– Quando você conheceu um pesquisador pela última vez? Você entendeu o que ele lhe disse?
“Obviamente depende do que se chama de pesquisador, mas minha atividade como artista toca de perto as tecnologias de ponta, como o Metaverso, onde colaboro com equipes de pesquisadores e desenvolvedores em Realidade Virtual. Não sou um cientista por formação, então não entendo tudo. Mas apesar da dificuldade ou da abstração, não precisamos entender tudo sobre os meandros da especialidade de um pesquisador para conviver com ele. Minha vida também foi pontuada por encontros com pesquisadores: Brian May [lendário guitarrista do grupo Queen] é PhD em astrofísica. Ele sempre teve esse duplo papel um tanto paradoxal, combinando criação, intuição e ao mesmo tempo uma abordagem extremamente científica. Também tive a chance de conhecer Stephen Hawking com quem discuti ciência, arte e comunicação… Segundo ele, aliás, o maior mistério do universo são as mulheres. Vamos falar também da pesquisa sonora: aproximei-me da música tanto em grupos de rock quanto dentro do Groupe de Recherches Musicales (GRM) onde me interessei pelo ‘hacking’, que é afinal uma forma de pesquisa que não acontece só nos laboratórios. O meu tempo no GRM foi de fundação! Convivi com pioneiros como Pierre Schaeffer ou Pierre Henry que, ao integrar os sons da vida, definiu a gramática da música atual, seja hip-hop ou electro… Isso também é pesquisa. As descobertas podem redefinir os anos ou séculos seguintes. O pesquisador é um intermediário, um transmissor, é um trabalho coletivo do qual participei modestamente: usei a pesquisa de outros e o meu próprio trabalho.”
– Quando foi a última vez que você se empolgou com a ciência?
“Ela me entusiasma regularmente, especialmente com todos os desenvolvimentos recentes em IA. Anteontem, estava trabalhando em um projeto musical do qual só tenho os arquivos em estéreo e teria que extrair as diferentes faixas, que não tenho mais em meu poder. Em teoria, isso é impossível ou muito difícil, mas atualmente a IA permite isso, e consegui graças a um software ainda em desenvolvimento. É totalmente mágico! Há uma magia na pesquisa quando ela dá certo, quando chega a algo inesperado e surpreendente, às vezes no reino da ilusão. Arthur C. Clarke disse que a tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia. Ele até se tornou um amigo. 2001: Uma Odisseia no Espaço foi uma experiência fundamental para mim e quando a sua sequência, 2010: Uma Odisseia no Espaço 2, foi lançada, li meu nome nos agradecimentos. Fiquei pasmo, começamos uma correspondência com ele, ficamos bem próximos. Aqui está mais um exemplo de artista capaz de pesquisar. Os dois se unem: há muitos pontos em comum entre criação e pesquisa, obsessões paralelas e convergentes com um objetivo final. Um artista só tem uma coisa a dizer na sua vida e está sempre a tentar dizê-la, como um carpinteiro que prepara uma mesa. O mesmo ocorre com os pesquisadores.”
– E quando foi a última vez que a ciência te assustou?
“A ciência nunca me assustou em si mesma, ela é neutra. Por outro lado, suas aplicações podem ser assustadoras. Não quero cair na caricatura distópica, está no nosso DNA achar que ontem foi melhor porque não somos parte do futuro. Isso traz uma visão necessariamente sombria, mas é graças à ciência que estamos aqui: o progresso tecnológico me parece reconfortante, é a forma como sentimos a novidade que assusta. Se voltarmos à arte, a tecnologia dita os estilos e não o contrário. Vivaldi existe graças ao violino, Fritz Lang ou Godard graças à câmera e não o contrário. Tecnologia e criação são interdependentes e dependem dos resultados das pesquisas. Não há progresso no campo das emoções, elas são perenes e eternas, nossos sentimentos profundos não evoluem. Na arte, apenas a forma faz a diferença e os resultados das pesquisas nos permitem inovar. As I.As generativas são certamente uma das disrupções mais importantes da nossa história, mas não devemos ter medo delas: os artistas encontrarão novas formas de se expressar sequestrando as tecnologias. Os impressionistas sequestraram os pigmentos, nós ’emprestamos’ os osciladores do GRM… Sempre podemos sequestrar a tecnologia em nosso benefício. Aguardo este software com júbilo.”
– Qual a invenção que ainda falta inventar?
“As invenções são sempre surpreendentes. Vinte anos antes do telefone ou da aviação, quem poderia tê-las previsto? A maioria das invenções, as mais fundamentais, são as que não se esperam.“
– Você aconselharia seus filhos a se tornarem pesquisadores?
“Sim, com certeza. Não caírem na armadilha de uma pesquisa que se contentaria com uma terra de ninguém intelectualmente confortável, uma rotina de experimentação. Muitas vezes encontrei pessoas que, tendo começado a pesquisar, ficaram tontas na experimentação: é fundamental tentar manter o rumo. Estou convencido de que na pesquisa deve haver um espírito revolucionário: você tem que querer mudar as coisas. Para um jovem pesquisador, é essa busca pelo absoluto, esse vaivém entre pragmatismo e metafísica que me parece interessante.”
Fonte: Les Deep Tech
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