OBRIGADO, VANGELIS!

Meu primeiro contato com Vangelis se deu pela mesma forma do meu contato com Jean-Michel Jarre. Através de uma fita cassete onde um tio meu havia gravado músicas de Jarre, Vangelis e Alan Parsons. A história de uma maneira quase mágica me conectou com ambos os artistas. De maneira intuitiva reconheci um álbum de Jarre. E Jarre me levou a Vangelis.

Por volta de 1986/1987, quando eu procurava para comprar meu segundo ou terceiro disco de Jean-Michel Jarre na loja “Palácio Musical”, que ficava na Rua da Bahia em Belo Horizonte, eu encontrei outra música que estava na fita cassete sem título. Era a que faltava para montar o quebra-cabeça. Ao procurar por Jean-Michel Jarre, me deparei com discos de Vangelis ao lado. Fiquei intrigado com o nome “Vangelis”, e quis escutar um dos discos que ali estavam. O disco era “Chariots of Fire” de 1981, e quando tocou veio a refrescante música Titles que remetia às Olimpíadas, ao Olimpo. Não precisava conhecer a Grécia e nem a sua história: tudo estava contido nessa música.

Ao procurar por outros discos encontrei o “Albedo 0.39” (1976) e a famosa Alpha, que estava na fita. Alpha era uma música conhecida, pois tocava em um programa de horóscopo e eu gostava demais dessa música. Neste dia, preferi comprar “Chariots of Fire” ao invés de “Albedo 0.39”, não só por uma questão econômica, mas também porque eu ainda precisava escutar o álbum por completo.

E como era bom escutar o álbum completo. Por na vitrola e escutar como se fosse assistir a um filme. “Chariots of Fire” é um álbum magnífico.

Meu pai, que também era um assíduo fã do espaço, comprou um álbum chamado “Cosmos” (1981) por recomendação de um senhor na loja “Palácio Musical”. Algumas músicas desse álbum, também magnífico, me chamaram a atenção: Legacy da Sinergy, The Sea Named Solaris de Isao Tomita, Heaven and Hell Part 1 de Vangelis, a famosa Canon in D de Pachebel e EntendsTu Les Chiens Aboyer? de Vangelis.

Heaven and Hell é uma canção poderosa. Ela é uma canção que mexe com você internamente, que começa como uma canção de ninar quase infantil, através da introdução de um piano, mas tem uma força incomensurável. Mostra de início, a conexão do micro e seu desenvolvimento até alcançar o macro, o universal. Nisso a genialidade de Vangelis reside: ele se expressa sem palavras, mas sua música falava por si só. Heaven and Hell mostra como a Odisseia humana se expande do micro ao macro, em seu final quase apoteótico e que se esvai como uma poeira cósmica.

Jean-Michel Jarre sempre me instigou porque ele resolvia aquelas equações musicais complexas, dava sentido a coisas e tinha uma energia jovem fulminante. Vangelis, ao meu ver, era o lado da contemplação, como um velho sábio admirando a criação, mas ao mesmo tempo o olhar puro, ingênuo e infantil da obra do criador.

Após “Chariots of Fire”, eu comprei diversos outros álbuns de Vangelis, porque de certa forma considerava um contrabalanço ao Jarre. Não como competidor, mas ele me permitia ver nuances de um mesmo tema de maneira diferente. Veja o álbum “China” (1979) de Vangelis em comparação ao “The Concerts in China” (1982) do Jarre. Homenageia-se o mesmo país, mas de maneiras diferentes.

Quando assisti “Blade Runner” (1982) pela primeira vez, eu assisti por causa da música de Vangelis. Embora eu com uns 6 anos na época, não entendi bulhufas do filme. Só fui entender quando estava com uns 15-16 anos e se tornou um dos melhores filmes sci-fi que já assisti. Mas o filme não é o mesmo sem a trilha de Vangelis. Acredito até que Kenny G surgiu e ficou famoso devido ao famoso sax de Love Theme de Vangelis. Antes, saxofone era só coadjuvante em certas bandas. Nessa música virou protagonista.

Vangelis e Jarre, lado ao lado, acompanharam a minha adolescência até a fase adulta. Muitas das minhas escolhas e formas de pensar foram muito, mas digo muito influenciadas pelas músicas de ambos. Mas sinceramente posso dizer que comecei a apreciar muito mais a música de Vangelis, na fase adulta. Olhando para trás, vejo que a mente das crianças é aguçada pelo novo, pelo criativo, pelo inesperado, que é o que a música de Jarre traz. Quando crescemos, buscamos um lugar para meditar, um lugar para contemplar o que somos e entender o que precisamos fazer parte. Nesse lugar habita a música de Vangelis.

Um dos meus sonhos de criança – e me lembro desenhando isso na minha escola, na aula de Educação Artística – era fazer um encontro de Jarre e Vangelis. Nessa aula cheguei a desenhar os dois juntos como se estivessem cumprimentando um ao outro, ombro a ombro, como irmãos. Eu sonhei com isso e eu queria que isso viesse a se tornar realidade um dia.

Se eu for falar de todos os álbuns de Vangelis que me marcaram, isso daria um livro, porque eu teria que falar de cada música que me marcou e o porquê. Vou me ater a três álbuns que marcaram definitivamente minha vida, e o principal deles: “Direct” de 1988.

“Direct” é para mim, definitivamente e sem sombra de dúvidas, o melhor álbum de toda a carreira de Vangelis. Houveram muitos álbuns bons depois, mas nenhum sintetiza tão bem, toda a maestria, genialidade, e é tão épico quando “Direct”.

The Message – Épica. Nessa música é como se o Criador mostrasse a todos, o quanto ele se preocupa conosco desde o nosso nascimento até quando voltamos a ele. A música se inicia com a voz de um bebê, bebê esse que é a voz do próprio Vangelis sintetizada. A Laura Metaxa (esposa de Vangelis) me confirmou essa informação.

First Approach – Eu amo essa música. Ela é de uma nobreza e riqueza harmônica única, além de ser uma música que liga nosso eu interior a contemplar a natureza.

Elsewhere – Se o paraíso tivesse um som, esse seria o som. É uma música infantil mas extremamente poderosa. Essa música para mim junto a The Message são as principais músicas do álbum.

Metallic Rain – Vangelis consegue surpreender em um rock que fala da natureza, com o psicodelismo “floydiano” e o principal, com uma mensagem forte sobre o que somos.

“Direct” conta com diversas outras grandes obras musicais, como Glorianna, Oracle of Apollo, Intergalactic Radio Station (simplesmente fantástica), The Will of the Wind e Motion of Stars. O álbum é perfeito.

Há uma música de Vangelis que marcou minhas paixões de adolescência: Sauvage et Beau do álbum “Portraits (So Long Ago, So Clear)” de 1996. Quando escuto ela, sempre me traz boas memorias das paixões que tive, dos amores que vieram e que passaram, e dos que permanecem. É uma música incrível.

“Voices” (1995), “Oceanic” (1996), “Mythodea” (2001), “Mask” (1985), “Soil Festivities” (1984), “The City” (1990), “Spiral” (1977), “Albedo 0.39” (1976), “Reprise” (1999), “1492 – Conquest of Paradise” (1992), tantos álbuns magníficos, que ficaria difícil falar de todos sem denotar a qualidade e seu significado.

Seus dois últimos álbuns em colaboração com agências espaciais (em especial a ESA e a NASA), “Rosetta” (2016) e “Juno to Jupiter” (2021), demostram a grandeza sinfônica de sua arte, nos quais destaco as faixas Elegy, Starstuff, Albedo 0.06 (do “Rosetta”) e Juno’s Tender Call, Inside our Perspectives e a incrível In the Magic of Cosmos (do “Juno to Jupiter”).

Eu poderia escrever por horas e horas coisas sobre Vangelis, sobre como sua música me influenciou e me fez ver diversas coisas de um modo diferente. E como sua perda cria uma lacuna enorme na música.

Vangelis era um autodidata, e o mais incrível, construiu um sistema Midi que lhe permitia tocar praticamente uma orquestra. Ele fazia tudo em um take só. Para ele não existia erro ou acerto, tudo fazia parte do propósito divino. Talvez isso explique porque seria difícil Jarre e Vangelis tocarem juntos. Jarre representa mais o lado humano, que busca a perfeição, e repete até corrigir o erro. Vangelis aceita o erro, porque ele acha que faz parte do próprio propósito. É incrível ambos os lados.

Vangelis ao longo de sua vida sempre mostrou um enorme respeito às suas raízes gregas. A mitologia grega se faz presente na música de Vangelis, assim como o espaço, assim como a contemplação do universo e sua divindade.

Falta para o mundo enxergar a importância de músicos como Vangelis e Jarre, porque a música de ambos influenciam formas de pensar. Vangelis prezava pela beleza (que é a harmonia construída no caos), da mesma forma que Jarre também assim enxergava, parafraseando Chaplin: “Estrelas nascem do caos”. Ambos sabem a importância que a boa música faz tanto para a alma das pessoas, como para suas personalidades e determinam de certa forma suas personas.

A este grande mestre musical, não tenho como expressar as melhores palavras. Se tivesse que falar com Vangelis seria musicalmente. Somente a música para levar todo o sentimento de gratidão ao mestre por sua música, algo que as palavras jamais conseguiriam alcançar e definir. E ele sabe disso.

Eu tive a oportunidade de fazê-lo duas vezes: em meu álbum “Sign of Us” (2017) através da música Heroes, e no álbum “Aeon” (2019), pela música Joy.

Ao eterno mestre, minha eterna gratidão.

Vangelis nos deixou aos 79 anos no dia 17 de maio, mas a notícia só foi divulgada no dia 19 pela agência “Athens News”. A causa da morte é incerta.

O falecimento de Vangelis causou grande repercussão mundial. Abaixo colocamos algumas dessas homenagens:

JEAN-MICHEL JARRE

ELON MUSK:

NASA:

AGÊNCIA ESPACIAL EUROPEIA:

PAUL YOUNG:

RICK WAKEMAN:

ARMIN VAN BUUREN:

THE BOB MOOG FOUNDATON:

SONY MUSIC:

ORQUESTRA FILARMÔNICA DE LONDRES:

JON ANDERSON: https://www.facebook.com/TheJonAnderson/posts/pfbid02FXPvG3AJudjiacjjxz6z7vM8dWbrbkjSaVqZSfi2EU9KCJ7GqUSXrpok8PAo8sSCl

MAIS HOMENAGENS: http://elsew.com/data/latest.htm

REPERCUSSÃO NA MÍDIA BRASILEIRA:

G1: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2022/05/19/vangelis-compositor-da-trilha-sonora-de-carruagens-de-fogo-morre-aos-79-anos.ghtml

https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2022/05/19/como-a-musica-de-carruagens-de-fogo-de-vangelis-virou-sinonimo-de-corridas-pelo-mundo.ghtml

Revista Veja: https://veja.abril.com.br/coluna/o-som-e-a-furia/vangelis-compositor-da-trilha-de-carruagens-de-fogo-morre-aos-79-anos/

Revista IstoÉ: https://istoe.com.br/vangelis-compositor-da-trilha/

Revista Fórum: https://revistaforum.com.br/opiniao/2022/5/24/vangelis-compositor-que-fez-trilhas-to-ou-mais-conhecidas-quanto-os-filmes-117815.html

Folha de S. Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2022/05/morre-vangelis-musico-de-blade-runner-e-carruagens-de-fogo-aos-79-anos.shtml

Jornal Nacional: https://globoplay.globo.com/v/10592085/

Jornal da Globo: https://globoplay.globo.com/v/10592446/

Jornal da Noite (Band): https://youtu.be/cQu2fUPaoyw

Carlos Trilha (tecladista da banda Legião Urbana e Marisa Monte): https://www.facebook.com/CarlosTrilhaOficial/posts/pfbid0rETxfLAsTdWRft9apyayduDTWTnRpv5AXYE1wUq9upNfKkeZDiwoVbT9Td66TnKKl

R.I.P. Vangelis (Evángelos Odysséas Papathanassíu, 29/03/1943 – 17/05/2022)

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