Como parte da Cúpula Internacional para Ação sobre Inteligência Artificial, o Ministério da Cultura da França organizou um Fim de Semana Cultural para questionar o papel da IA nas artes e na cultura. Nesta ocasião, o compositor de música eletrônica Jean-Michel Jarre e Thomas Coesfeld, presidente da BMG Music, falaram sobre os impactos da IA na criação contemporânea.

Um cenário em mudança está surgindo na Europa. A Inteligência Artificial, essa grande revolução tecnológica que está rompendo todos os modelos culturais e industriais conhecidos, constitui uma oportunidade real para o mundo da criação, mas também levanta questões e desafios cruciais: respeito aos direitos autorais, remuneração dos criadores, transparência dos algoritmos, soberania digital, etc.
Nesse contexto, surge uma pergunta: qual modelo de IA queremos construir? “Estou convencida de que a IA deve ser uma alavanca da soberania cultural, colocando a tecnologia a serviço dos criadores e não o contrário”, destacou Rachida Dati, Ministra da Cultura, em 8 de fevereiro na abertura do “AI Weekend”.
Uma “soberania cultural” que Thomas Coesfeld, presidente da BMG Music, uma subsidiária do grupo alemão Bertelsmann, o principal grupo multimídia europeu, e Jean-Michel Jarre, um compositor francês de música eletrônica que teve a oportunidade de explorar todo o poder da IA, estão reivindicando. “É fundamental que a Europa fale a uma só voz para determinar qual ecossistema de IA queremos e definir as regras para proteger nossas criações”, argumentam os dois personagens da criação e da indústria musical, detalhando suas iniciativas nessa área:


Qual é a contribuição da IA para a criação artística?
Thomas Coesfeld: “Vejo na Inteligência Artificial uma espécie de musa moderna que daria uma nova dimensão à criatividade humana, mas sem suplantá-la. Na BMG Music e em nossa empresa controladora, a Bertelsmann, somos guardiões de uma filosofia que coloca o ser humano no centro de toda a criação, mas a IA não deve ser vista como uma rival do espírito criativo, mas sim como uma aliada que amplifica, transforma e democratiza a expressão artística, abrindo novos horizontes para a imaginação humana.”
Jean-Michel Jarre: “A Inteligência Artificial se apresenta como uma extensão fascinante da nossa imaginação, uma ferramenta que ultrapassa os limites da nossa criatividade. Assim como a descoberta do fogo ou o advento da eletricidade, a IA traz a promessa de uma revolução total. Cabe a nós domar essa tecnologia com lucidez, cientes de suas virtudes, mas também de suas possíveis armadilhas. A história da arte nos ensina que a tecnologia sempre foi o catalisador de novas formas de expressão: o violino deu origem a Vivaldi, a eletricidade deu origem a Jimi Hendrix, e foram os componentes eletrônicos que me deram os meios para criar e me expressar. As emoções humanas, atemporais e universais, permanecem no centro de toda criação artística. A IA é apenas um novo instrumento para expressá-las, uma ferramenta do nosso tempo para transmitir essas emoções eternas para as gerações futuras.”
Atualmente como os artistas podem usar a IA?
J.M.J.: “A Inteligência Artificial está se configurando como uma revolução comparável à invenção da imprensa literária. Oferece aos artistas um campo infinito de exploração, capaz de transcender todos os gêneros musicais. Meu projeto atual com a BMG ilustra essa simbiose entre homem e máquina: estou desenvolvendo um sistema de IA alimentado por meus próprios dados musicais, criando assim um novo diálogo entre minha herança artística e as possibilidades oferecidas por essa tecnologia. Esse processo abre caminho para uma nova forma de introspecção criativa, onde o artista pode recorrer ao seu próprio DNA musical para gerar novas obras, de uma forma potencialmente infinita.”
T.C.: “Estamos no início de uma era em que tecnologia e arte estão se fundindo para dar origem a formas de expressão que ainda não foram exploradas. É nosso dever coletivo, como sociedade, artistas, cientistas e empreendedores, escrever juntos este novo capítulo na história da arte.”

Qual é o papel do artista no processo criativo?
J.M.J.: “O processo criativo do artista é semelhante a uma alquimia complexa, onde memórias, cultura e ambiente se misturam para criar uma obra única. A Inteligência Artificial, longe de ser uma entidade estranha a esse processo, é uma parte natural dessa dinâmica criativa. Ele atua como um espelho do nosso subconsciente, refletindo e amplificando nossa imaginação. Acredito que, para um artista, a IA oferece a possibilidade de se tornar uma extensão de seu estilo, uma ferramenta que lhe permite explorar novas dimensões de sua criatividade, preservando sua identidade artística única.”
T.C.: “O advento da IA no campo artístico levanta questões cruciais sobre a proteção da propriedade intelectual. É fundamental que estabeleçamos uma estrutura ética e legal para garantir que o uso de IA na criação artística não ocorra em detrimento de obras originais. Assim como a evolução da mídia exigiu adaptação constante dos direitos autorais desde a invenção da imprensa, a era da IA exige reflexão profunda sobre a proteção da criatividade humana.”
O que é isso exatamente? Como proteger direitos autorais?
T.C.: “A proteção de direitos autorais e a compensação justa para os artistas são os pilares sobre os quais se baseia a integridade da indústria criativa. Diante do surgimento da IA, é fundamental adaptar nosso arcabouço regulatório com agilidade e previsão. Precisamos projetar um ecossistema onde a criatividade humana seja valorizada e protegida, ao mesmo tempo em que abraçamos as possibilidades oferecidas pela IA. Na BMG, investimos em tecnologias de ponta para detectar violações de direitos autorais. Esta missão exige uma colaboração estreita entre reguladores, a comunidade artística e empresas para desenvolver soluções equitativas e sustentáveis.”
J.M.J.: “O advento da IA nos coloca diante de um grande desafio: preservar nossa soberania cultural diante de algoritmos que são projetados principalmente de acordo com uma visão anglo-saxônica. É fundamental a união de forças – artistas, empreendedores, cientistas – para moldar uma IA que reflita a diversidade de nossas culturas e valores. Essa tecnologia exige pensamento coletivo e colaboração sem precedentes para criar condições de igualdade, onde a criatividade humana floresça em harmonia com a inovação tecnológica. A criatividade humana é a base da IA generativa e, sem nossos trabalhos, os gigantes da indústria americana ou chinesa não têm valor algum. É, portanto, absurdo que sejam avaliados em bilhões sem qualquer consideração pelos direitos dos criadores, cujas perdas são estimadas em 22 bilhões de dólares em cinco anos. A França e a Europa têm uma missão dupla: desenvolver nosso ecossistema de IA e estabelecer regras justas para remuneração e proteção da propriedade intelectual. Essas regras garantem liberdade, assim como uma carteira de motorista garante liberdade de movimento. A França, pioneira na proteção de criadores, sempre teve um efeito cascata global. Nós, franceses e europeus, um povo de exploradores e inventores, devemos agora nos transformar em Corsários 3.0, zarpando para enfrentar os piratas que cobiçam nossos tesouros.”
Fonte: Ministério da Cultura Francês
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